Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus

Anistia é o caramba

Para uns, a justiça é um fuzil na cara; para outros, o compadrio

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"Não carregamos nenhum ânimo de revanche (...), mas vamos garantir o primado da lei. Quem errou responderá por seus erros, com direito amplo de defesa, dentro do devido processo legal", disse Lula na posse. Opinião na Folha qualificou o trecho como "caça às bruxas." Discordo da leitura política, contrafactual, e da metáfora, desmedida. Justiça não é revanchismo; qualificá-la como tal faz pouco caso da lei que pune crimes contra a democracia e contra a humanidade.

Do pedestal da bondade alardeiam anistia enquanto é a anistia, ela própria, uma vingança contra a lei, jogada no lixo. O homem cordial brasileiro é o que anistia atrocidades antes sequer de serem investigadas, mas diz fazê-lo por amor: é quem iguala punir torturadores a estar "preso no passado, na vingança, no ódio" (Dias Toffoli, em 2022), "em prejuízo do reencontro da sociedade consigo mesma" (editorial nesta Folha, em 2013).

Márcio Antônio do Nascimento Silva, pai de vítima do Covid-19, fala à CPI da Pandemia, em 2021 - PT no Senado / Divulgação

Não devemos reduzir o debatido dilema entre paz e justiça a uma picuinha político-partidária; é o Judiciário quem levaria a responsabilização a cabo. O perigo, isso sim, é de Lula e seu governo —e não as instituições de controle— tomarem as rédeas, o que não parece por ora nem desejado por eles, nem factível; o papel do governo é, primordialmente, acender as luzes sobre os sigilos, fatos e dados. Fazer mais que isso seria um erro histórico.

Já tentamos anistia e não funcionou: quem diz o contrário precisa dizer na conta de quem pomos a tortura que persiste, a Justiça militar que escandaliza, e o golpismo que se aquartela. Já tentamos juízes heróis e igualmente não funcionou: para uns, a justiça é um fuzil na cara; para outros, o compadrio.

"A minha dor não é ‘mimimi’. Dói para caramba mesmo. Não aceito que ninguém aceite isso como normal", disse Márcio Silva, pai de vítima da Covid-19, à CPI da Pandemia. Ao vencido, nem ódio nem compaixão, mas justiça; ao vencedor, nem as batatas nem a glória, mas a lei. Anistia é o caramba, dói mesmo.

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