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Governo Lula

Lula propõe união nacional em seus termos e sugere caça às bruxas

No 1º discurso, presidente adota tom esquerdista na economia, fala aos seus e defende democracia

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São Paulo

Em uma cerimônia coalhada de contraditórios símbolos do que é a política brasileira, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definiu em seu discurso da inédita terceira posse como presidente eleito que está disposto a apostar na gravidade para ignorar os 49,15% do eleitorado que optaram por Jair Bolsonaro em 30 de outubro de 2022.

Depois, no parlatório do Planalto, até falou em "governar para todos", mas a risca no chão foi estabelecida, no melhor estilo "nós contra eles". "Não existem dois Brasis", afirmou, apesar de eleger o lado de seus apoiadores como o justo. É do jogo, em especial se ele mirar a minoria golpista nas ruas.

De forma inteligente, já na fala anterior, no Congresso, não nomeou o ex-presidente que fugiu dos rituais democráticos de transição quando enfurnou-se em casa após perder e embarcando para os Estados Unidos na sexta (30). Mas, embora tenha negado "revanche", ameaçou uma caça às bruxas em seu mandato.

Lula, a primeira-dama Janja, Lu e Geraldo Alckmin no Rolls-Royce presidencial
Lula, a primeira-dama Janja, Lu e Geraldo Alckmin no Rolls-Royce presidencial - Pedro Ladeira/Folhapress

Falou no plenário da Câmara que "vamos garantir o primado da lei" para quem atentou contra a democracia. Para alguém que passou preso 580 dias devido ao que acusou de "lawfare" da Operação Lava Jato, Lula mostra não estar imune ao charme da eficácia de Alexandre de Moraes no combate aos atos antidemocráticos.

Longe de querer comparar as coisas no mérito, mas o deslumbramento com os tentáculos legais do presidente do Tribunal Superior Eleitoral encanta o petismo porque vai contra seus inimigos, mas não é diferente da adoração de setores da sociedade civil à cruzada de Sergio Moro e companhia.

Essa foi uma das ironias presentes nesta tarde de domingo (1º) em Brasília. Noves fora a troca de cores de gravata com o vice Geraldo Alckmin (PSB), ótima sacada, viu-se na Câmara Dilma Rousseff (PT) ser aclamada na Casa em que sua vida política foi incinerada em 2016 —por muitos, senão a maioria, dos presentes.

Cereja do bolo, Luciano Bivar (União Brasil), o homem que presidia o partido de aluguel usado por Bolsonaro em sua aventura presidencial em 2018, foi quem leu, sorridente, o termo de posse de Lula e Alckmin. O petista, por sua vez, replicou com um elogio ao Congresso na negociação da PEC da Transição.

Voltando ao punitivismo, seja para valer ou só uma ameaça, Lula usou a exagerada palavra genocídio para descrever o desastroso —e criminoso, mas num nível outro— manejo da pandemia de Covid-19 por Bolsonaro. Resta saber como isso se dará, com qual Ministério Público Federal e por aí em diante.

De prático, prometeu a revogação dos decretos armamentistas de Bolsonaro e de "injustiças" contra indígenas, como já havia sido ventilado. Da Flórida, o ex-presidente deve estar se contorcendo, ainda mais pelo temor de problemas judiciais caso resolva voltar ao país que optou por não governar depois de 30 de outubro.

Em relação aos discursos anteriores após sua vitória, particularmente o da diplomação em 12 de dezembro, Lula moderou a acusação contra os bolsonaristas que insistem em pedir um golpe de Estado contra sua posse.

Os deixou fora da equação, preferindo mirar o legado tóxico do antecessor. Dificilmente irá colar entre os 25% do eleitorado que se dizem bolsonaristas, segundo aferiu o Datafolha, mas essa é uma gente que pode ser possível de ser atraída de outra forma —a começar, não fazendo bobagem na economia.

Aí vêm os problemas já conhecidos: no discurso, Lula está tão ou mais esquerdista do que nunca. Voltou a chamar o teto de gastos de "estupidez". Quando fala em "usar" bancos públicos e estatais como indutores da economia, as lembranças autorizam alguns arrepios.

Falar em independência na fabricação de plataformas de petróleo após todo o que a Lava Jato revelou? Ou na área de semicondutores, área tão complexa que mesmo a China se vê encurralada pelos EUA? Conversa para boi dormir ou, pior, pastar no campo de novas e inúteis estatais.

A desculpa, a herança maldita já citada em outros discursos, está colocada. No mais, Lula fez um discurso de defesa da democracia, ao fim sua grande bandeira —não seria difícil após quatro anos de entropia bolsonarista. Falou bem, apontou problemas. No parlatório, depois, reforçou isso de forma enfática.

Também jogou para sua plateia que se denomina progressista, que verá nisso o centro da fala, ao defender o reforço das áreas que foram degradas por Bolsonaro: direitos humanos, minorias, mulheres. Isso reforçado na bem orquestrada passagem da faixa depois, na qual até a cachorrinha Resistência teve vez —embora seja o cacique Raoni o grande nome na foto para o mundo.

No segundo discurso, Lula foi mais Lula, focando na questão da desigualdade social, com o choro regulamentar ao falar da fome nos semáforos, e nos temas de matriz progressista. Um observador mais chato lembraria que ele falar mal de jatinhos de ricos, sendo usuário assíduo deles, soa algo hipócrita, mas é parte do roteiro.

Ao fim, Lula evitou escalar a animosidade política e defender "derrotar o bolsonarismo nas ruas", com fizera. Mas ainda está para ser ouvido o que o novo presidente tem para dizer para a metade do eleitorado que não votou nele. "Vou governar para todas e todos" parece meio protocolar, mas talvez seja o que há para hoje.

Com a expectativa baixa apontada pelo Datafolha acerca de seu governo, parece uma opção de reforço da tropa mobilizada, esperando que um sucesso de gestão se torne o real magneto para o proverbial outro lado.

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