Thiago Amparo

Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

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Descrição de chapéu Folhajus Rússia Itamaraty

Rússia e a banana em que escorregamos

Se o Brasil quer construir a paz, pode começar por desarmar as armadilhas

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Minha colega Maria Hermínia Tavares escreveu nesta Folha que, após as falas a respeito da Guerra da Ucrânia, o mandatário brasileiro "fez lembrar a história do cidadão que atravessa a rua para escorregar numa casca de banana na outra calçada". Eu iria além. Apesar da bem-sucedida viagem à China —seja pelo expressivo volume de acordos comerciais, seja pelo simbolismo de não alinhamento que muito interessa ao Brasil—, a política externa brasileira colheu a banana, jogou a casca no outro lado da rua, atravessou a calçada e aí escorregou.

Ou seja, tirou uma crise desnecessária de onde crise não havia. É uma obviedade, de um lado, e uma boa ideia, de outro, convocar países a um clube pela paz. Produzir um alinhamento pela paz —tão inocente quanto é retoricamente esperto— encontra-se no interesse do Brasil: aumenta o poder e a influência do país em um conflito sobre o qual temos zero capacidade de influenciar por nós mesmos. Isto, somado ao interesse brasileiro de não se indispor com os russos em função dos 28% de fertilizantes que deles importamos, justificaria uma política externa mais cuidadosa.

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, à dir., e seu correspondente da Rússia, Serguei Lavrov, cumprimentam-se após reunião no Palácio do Itamaraty, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

Problema não é engajar com a Rússia; problema é dar de bandeja a ela a banana na qual escorregamos. O Brasil não precisa afirmar que Putin e Zelenski, ambos, "não tomam a iniciativa de parar [a guerra]", equalizando agressor a agredido, para promover a paz. O Brasil não precisa receber o chanceler russo ou reunir-se com Putin, mostrando-se muito à vontade com quem é acusado de crime de guerra perante o Tribunal de Haia; bastava um telefonema, como faz com a Ucrânia. O Brasil não precisaria se indispor com os parceiros americanos e europeus sugerindo que estes teriam interesse numa guerra sangrenta em seu jardim; bastava criticar a expansão da Otan e, ao mesmo tempo, condenar a agressão russa, como fizera na ONU.

Se o Brasil quiser construir a paz, pode começar por desarmar as armadilhas —ou as bananas, como queiram— que jogou no seu próprio caminho.

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