Quem dera se a metáfora fosse minha, mas não é: foi o jornalista Octavio Guedes que definiu nesta quarta (3), na GloboNews: "A casa caiu por conta do Zé Gotinha", disse Guedes, em referência ao personagem símbolo da imunização no Brasil.
Piadas à parte, há momentos epifânicos na história de um país, e este é um deles: não deixa de dizer muito sobre nós mesmos que Jair Bolsonaro seja pego por um crime cuja aparente pequenez o define e que, se provado, equivaleria a roubar galinha do vizinho —ao menos em comparação a esgotar oxigênio em Manaus, ou vetar água para indígenas, ou atrasar a compra da vacina.
De um lado, o feito revela a nossa incapacidade, até o momento, de responsabilizar jurídica e politicamente Bolsonaro pelo que importa: a matança desnecessária que seu negacionismo impôs a milhares. O argumento consequencialista, no entanto, diz que se não dá para pegá-lo por crime contra a humanidade, que seja por falsificar cartão de vacina. Consequencialismo, no entanto, não tende a fazer boas leis.
De outro lado, engana-se quem eventualmente pense que o fato de o carcereiro de Bolsonaro ser o Zé Gotinha implicaria a insignificância do delito. Pelo contrário: a aparente pequenez do crime expõe a mediocridade de um ex-chefe de Estado que agiu, em tese, para proteger a única coisa que lhe importa: ele mesmo. De pequeno, o feito não tem nada. Bolsonaro é acusado de arquitetar um esquema que envolveu o alto escalão do governo em benefício próprio como quem monta uma milícia para roubar galinha; e a galinha, na metáfora explicada, somos nós.
O que importa, ao menos politicamente, é o que encontraremos por baixo da fantasia do Zé Gotinha: quem sabe ali no celular de Bolsonaro e demais investigados da falsificação de cartão de vacina não encontraremos um Siciliano escondido e a solução para quem foi o mandante do assassinato de Marielle Franco ou os pontos que faltam, se algum ainda há, para provar a ligação entre o clã bolsonarista e o malsucedido 8 de janeiro.
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