Thomas L. Friedman

Editorialista de política internacional do New York Times desde 1995, foi ganhador do prêmio Pulitzer em três oportunidades

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Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Guerra da Ucrânia está prestes a entrar em nova fase mais perigosa

Estratégia de inverno de Putin deve colidir com a estratégia de verão da Otan

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Ao tentar explicar as recentes melhoras na atuação do Exército russo na Ucrânia, alguns oficiais ucranianos começaram a dizer: "Todos os russos burros estão mortos". É um elogio indireto, o que significa que os russos finalmente descobriram uma maneira mais eficaz de lutar nessa guerra, depois de uma atuação inicial incompetente que deixou milhares deles mortos.

Exatamente porque a Guerra da Ucrânia parece ter se firmado como uma guerra de desgaste –com a Rússia principalmente recuando e apenas bombardeando e lançando foguetes contra cidades ucranianas no leste, transformando-as em ruínas e depois avançando–, você poderia pensar que o pior deste conflito terminou.

Você estaria errado.

Soldado de força especial da Ucrânia observa estrada destruída próximo a Kharkiv - Dmitar Dilkoff/AFP

Acredito que a Guerra da Ucrânia está prestes a entrar numa nova fase, com base no seguinte fato: muitos soldados e generais russos podem estar mortos, mas os leais aliados da Otan na Ucrânia estão cansados. Esta guerra já contribuiu para um enorme aumento nos preços do gás natural, da gasolina e dos alimentos na Europa, e caso se arraste até o inverno muitas famílias na União Europeia poderão ter que escolher entre se aquecer e comer.

Em consequência, acho que a nova fase da guerra é o que chamo de "estratégia de inverno" de Vladimir Putin versus a "estratégia de verão" da Otan.

É óbvio que Putin está pronto para continuar avançando na Ucrânia, na esperança de que a inflação crescente dos preços da energia e dos alimentos na Europa acabe fraturando a aliança ocidental. Sua aposta parece ser a seguinte: se as temperaturas médias na Europa forem mais baixas do que o normal, se o fornecimento médio global de petróleo e gás estiver mais apertado do que o normal, se os preços médios forem mais altos do que o normal, se os apagões por falta de energia se generalizarem, há uma boa chance de que os membros europeus da Otan comecem a pressionar o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, para que feche um acordo com a Rússia –qualquer acordo– para parar os combates.

Então, Putin certamente deve estar dizendo a seus soldados e generais exaustos: "Apenas cheguem até o Natal. O inverno é nosso amigo".

Não é uma estratégia maluca. Jim Tankersley, do New York Times, reportou na semana passada: "Funcionários da Casa Branca temem que uma nova rodada de penalidades europeias destinadas a conter o fluxo de petróleo russo até o final do ano possa fazer os preços da energia dispararem novamente, atingindo consumidores já sitiados e mergulhando os Estados Unidos e outras economias numa grave contração. Essa cadeia de eventos poderia exacerbar o que já é uma grave crise alimentar que assola países em todo o mundo".

Os esforços da Otan e da União Europeia para conter as exportações de petróleo russo para a Europa, acrescentou a reportagem, "podem fazer os preços do petróleo subirem para US$ 200 por barril ou mais, o que significa que os americanos pagarão US$ 7 por galão de gasolina". A gasolina a US$ 9 a US$ 10 o galão já não é incomum na Europa, onde os preços do gás natural subiram "cerca de 700%", informou a Bloomberg, "desde o início do ano passado, levando o continente à beira da recessão".

Enquanto isso, autoridades da Otan, dos EUA e da Ucrânia estão certamente dizendo a si mesmas: "Sim, o inverno é nosso inimigo. Mas o verão e o outono podem ser nossos amigos –se pudermos infligir algum dano real ao cansado exército de Putin agora, então, no mínimo, ele aceitará um cessar-fogo".

Essa também não é uma estratégia maluca. Putin pode estar obtendo alguns ganhos no leste da Ucrânia, mas a um preço muito alto. Diversas análises militares sugerem que a Rússia sofreu, no mínimo, 15 mil mortes de soldados em menos de cinco meses –um número impressionante– e provavelmente o dobro desse número de feridos. Mais de mil tanques e peças de artilharia russos foram transformados em sucata.

Autoridades dos EUA me dizem que Putin não tem tropas suficientes no momento para tentar sair do leste da Ucrânia e tomar o porto de Odessa, para deixar a Ucrânia sem litoral e estrangular sua economia.

Como relatou Neil MacFarquhar, do Times, neste fim de semana, Putin precisa desesperadamente de mais forças simplesmente para manter o recente impulso no leste, e já está realizando uma "mobilização furtiva" para levar mais homens à frente, "sem recorrer a um recrutamento nacional politicamente arriscado. Para compensar o déficit de soldados, o Kremlin está contando com uma combinação de minorias étnicas pobres, ucranianos de territórios separatistas, mercenários e unidades militarizadas da Guarda Nacional" e prometendo grandes incentivos em dinheiro para voluntários.

Putin reluta em convocar mais homens porque isso sugeriria que o que ele havia dito à sua população que era apenas uma "operação militar especial" na Ucrânia é não apenas muito maior, como também muito pior.

A Otan espera claramente que o Exército ucraniano possa usar o novo M142 Himars (sistema de artilharia de foguete de alta mobilidade), que os EUA transferiram para Kiev, para infligir significativamente mais mortes e destruição às forças russas na Ucrânia no verão e no outono. Nesse caso, os avanços de Putin poderão não apenas parar, mas até perder terreno, e o presidente russo poderá se sentir forçado a concordar com um cessar-fogo, uma grande troca de prisioneiros, evacuações humanitárias e melhores condições para as exportações de alimentos ucranianos –tudo isso ajudaria a aliviar a inflação e, esperançosamente, reduzir a pressão dos aliados europeus da Ucrânia para fechar qualquer acordo com Putin.

Não há sinal de que Putin esteja pronto a fazer um acordo de paz final, mas talvez seja possível empurrá-lo para esse tipo de cessar-fogo, o que poderia aliviar os mercados de energia e alimentos.

Então, por todas essas razões, eu diria que a Guerra da Ucrânia está prestes a entrar em sua fase mais perigosa desde que os russos invadiram, em fevereiro: a estratégia de inverno de Putin encontra a estratégia de verão da Otan.

Não é de admirar que a vice-primeira-ministra ucraniana, Irina Vereschuk, tenha apelado aos moradores de territórios controlados pelos russos no sul para que saiam da região rapidamente, para que os russos não possam usá-los como escudos humanos durante a esperada contraofensiva ucraniana. "Vocês precisam encontrar uma maneira de sair, porque nossas forças armadas estão vindo para desocupar", disse ela. "Haverá uma luta maciça."

Infelizmente, não há como saber o que Putin poderá fazer se suas forças ficarem paralisadas novamente ou perderem terreno. Isso poderia torná-lo mais receptivo a um cessar-fogo. Também poderia forçá-lo a uma mobilização nacional para levar mais tropas à luta.

Há apenas uma coisa de que tenho certeza: esta guerra na Ucrânia não terminará –realmente– enquanto Putin estiver no poder em Moscou. Isto não é um chamado para derrubá-lo. Cabe aos russos decidirem. É simplesmente uma observação de que esta sempre foi a guerra de Putin. Ele pessoalmente a concebeu, planejou, dirigiu e justificou. É impossível para ele imaginar a Rússia como uma grande potência sem a Ucrânia. Portanto, embora seja possível forçar Putin a um cessar-fogo, duvido que seja mais que temporário.

Resumindo: esta Guerra da Ucrânia está tão longe de terminar que eu nem consigo ver o fim.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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