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Alemanha vê cansaço no Ocidente com Guerra da Ucrânia

Em meio à batalha intensa no leste, cresce pressão para que Kiev ceda em negociação

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São Paulo

A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, disse nesta quarta-feira (25) que o Ocidente está cansado da Guerra na Ucrânia. "Chegamos a um momento de fadiga", afirmou ela em uma reunião do Conselho do Mar Báltico em Kristiansand, na Noruega.

Ela citou o aumento no preço da energia e dos alimentos como motivo para tal cansaço, reforçando na sequência que é exatamente isso que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, quer com o conflito iniciado há três meses. "Por isso é importante apoiar a Ucrânia", disse ela.

Garoto ucraniano em frente a prédio atacado em Kramatorsk, na área sob controle de Kiev da província Donetsk
Garoto ucraniano em frente a prédio atacado em Kramatorsk, na área sob controle de Kiev da província Donetsk - Aris Messinis/AFP

A ministra contemporizou ao fim, mas engrossou um raciocínio que tem ganhado tração no Ocidente acerca do impacto global do conflito. No Fórum Econômico de Davos, na Suíça, o ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger disse que Kiev deveria ceder as terras ocupadas por Putin e se declarar neutra.

A posição alemã pode ser ainda mais incisiva, caso seja real o relato do editor de assuntos diplomáticos do jornal britânico The Guardian, segundo o qual, numa conversa com jornalistas, o premiê Olaf Scholz disse não acreditar numa vitória ucraniana e que seu país apoiará Kiev até que Putin anuncie a conclusão de seus objetivos. Scholz está na África, e a chancelaria alemã não confirmou nem negou a declaração.

A percepção de que Moscou está em posição de vantagem vem dos combates em Severodonestk e dos crescentes apelos em Kiev sobre a situação do Donbass, no leste ucraniano, palco de uma guerra civil desde 2014. A cidade é vital para a tomada da região de Lugansk e assim posicionar os russos no avanço sobre a área remanescente de Donetsk sob controle ucraniano. As duas províncias compõem o Donbass.

Se o russo for bem-sucedido, não terá derrubado o governo de Volodimir Zelenski, como tentou de forma atabalhoada no complexo e insuficiente em forças ataque inicial da guerra, mas poderá colher uma vitória importante: a Ucrânia está basicamente alijada de sua pretensão de aderir à Otan, e o Donbass estará ligado à Crimeia anexada em 2014 pela área ocupada por Putin ao sul, centrada em Kherson.

Zelenski, por óbvio, descarta a hipótese e diz que quer se encontrar com Putin para discutir a paz quando os russos suspenderem a guerra e se retirarem. Isso não é uma opção para o pressionado chefe do Kremlin, por significar quase uma abdicação a essa altura. Além do mais, após mais fracassos que vitórias, Moscou está avançando em sua iniciativa declarada de conquistar o Donbass.

Berlim também pode apontar assim uma ponte dourada de saída no cerco mundial ao presidente russo, para usar a imagem do filósofo chinês Sun Tzu no clássico "A Arte da Guerra" (século 4º a.C.).

Ele não deverá ser lido assim de forma unânime, claro. Além da Ucrânia, membros mais assertivos da Otan, como EUA, Reino Unido e os países do Leste Europeu, que temem Putin, vão destacar o fato de que ao fim a Alemanha não está querendo se associar às crescentes sanções a hidrocarbonetos russos —Berlim sempre dependeu de gás e petróleo de Moscou e, por isso, estabeleceu grandes parcerias no setor.

Até aqui, com os americanos à frente, a Otan tem sustentado o esforço de guerra da Ucrânia, mas sempre dentro do limite que considera seguro para não provocar a Terceira Guerra Mundial. Linhas vermelhas apontadas pela Rússia foram avançadas seguidamente, mas isso não satisfez Kiev.

Ao contrário. O chanceler do país, Dmitro Kuleba, foi recebido nesta quarta em Davos e criticou duramente a aliança militar ocidental, como ele e seu chefe já haviam feito. "A Otan, como uma aliança, como uma instituição, está completamente de lado e fazendo literalmente nada. Desculpe-me por dizer isso", afirmou.

Ele se refere aos membros mais reticentes da aliança, como a própria Alemanha, mas desconsidera em sua fala que dois novos países, Suécia e Finlândia, poderão acabar a crise como novos membros do clube.

Zelenski foi na mesma toada e, em seu pronunciamento diário, criticou Kissinger e países europeus, sem nominar. "Não importa o que a Rússia faça, há quem diga: vamos levar em conta os interesses deles."

Seja como for, Kuleba voltou a elogiar a União Europeia, que praticamente espelha a Otan em membros. O bloco, ao seguir os EUA e aplicar sanções duras a Putin, tomou "decisões revolucionárias" que não esperava tomar. O chanceler ucraniano também chamou de chantagem a oferta russa para que um corredor marítimo humanitário seja aberto no mar Negro para que a Ucrânia possa exportar seus grãos —estima-se que haja 20 milhões de toneladas de trigo, um dos maiores estoques do mundo, represados para embarque em Odessa, ameaçando de fome regiões como o norte da África.

O Kremlin, afinal, fez a sugestão em troca de que algumas das sanções a que está submetido fossem retiradas. As queixas do ministro das Relações Exteriores se somam às do próprio Zelenski e de seu governo, que afirma estar com problemas para receber armas do Ocidente, cujos depósitos são atacados pelos russos. O presidente já disse que a situação no leste do país é "um inferno".

Enquanto isso, Putin vai consolidando a russificação das áreas já sob seu controle ao sul. Estendeu o processo simplificado para obter passaporte russo aos moradores das províncias de Kherson e Zaporíjia, que integram a ponte Donbass-Crimeia. Ele fez algo semelhante nas autoproclamadas repúblicas rebeldes do Donbass, que somavam 800 mil cidadãos russos entre 4 milhões de habitantes até a guerra.

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