Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Machado de Assis dizia que o grito do Ipiranga era somente uma lenda

Escritor comentou a Independência do Brasil com um questionamento que deveríamos continuar fazendo

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São Paulo

O grito do Ipiranga já passou, mas seus ecos continuam repercutindo. E não é de hoje.

Uma crônica desconhecida —certamente, arrisco a dizer, inédita em livro—, atribuída ao escritor Machado de Assis, publicada na edição de 15 de setembro de 1876 do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, dá conta disso.

No texto, o conhecido Bruxo do Cosme Velho, autor de "Dom Casmurro", como também ficou conhecido, comenta carta de leitor do jornal, de forma irônica e pilhérica, sobre os festejos, à época, dos 54 anos da Independência do Brasil.

Num dos trechos, Machado rebate a frase cunhada pelo missivista sobre a autenticidade do evento político, "nem Grito, nem Ipiranga", em que aquele negava que dom Pedro 1º tivesse dado o famoso grito às margens do riacho Ipiranga.

A carta escrita pelo leitor denominado Dr. J. A. Pinto Júnior assevera que "a Independência foi proclamada, ou antes, o brado Independência ou morte foi dado, no alto da montanha ou colina, a mais talvez de mil braças do ribeiro Ipiranga, no lugar pertencente aos denominados campos de Piratininga."

A carta ainda afirma: "A Independência do Brasil não se deu no Ipiranga, como geralmente se diz, nem foi somente a ilustrada cabeça do estadista José Bonifácio que elaborou esse grande pensamento".

Pinto Júnior, um advogado, salienta que, antes de tudo, o feito se deveu "ao sangue dos mártires de 1817 em Pernambuco, à execução de Tiradentes e de tantas outras vítimas sacrificadas pela grande ideia." E dá toda essa glorificação aos "primeiros escritores que trataram do fato."

Machado não deslustrou os argumentos do missivista. Fez suas considerações, chamando o evento de "essa lenda": "Grito do Ipiranga? Isso era bom antes de um nobre amigo, que veio reclamar pela Gazeta de Notícias contra essa lenda de meio século".

Mais adiante, reforça a ideia do "ilustrado paulista" de que "não houve nem grito nem Ipiranga." Segundo o romancista, colunista do jornal: "Houve algumas palavras, entre elas a 'Independência ou morte', as quais todas foram proferidas em lugar diferente das margens do Ipiranga".

O texto atribuído a Machado, cuja referência pode ser encontrada com facilidade na internet —eu não o encontrei nas páginas do jornal carioca—, faz parte de uma pequena polêmica entre Pinto Júnior e seu colega Miguel A. da Silva, travada há dias sobre os feitos e a importância de comemorar a Independência.

Machado de Assis passou toda a vida publicando textos jornalísticos e ficcionais nos jornais do Rio de Janeiro, desde a mais tenra idade. Portanto, essa parte da produção machadiana pode ser facilmente encontrada por meio de pesquisas nesses jornais —algumas assinadas com seu próprio nome ou com pseudônimos.

Muitos pesquisadores têm descoberto preciosidades, em textos e imagens, relativas a Machado de Assis. Como foi o caso do professor Wilson José Marques, do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos.

Professor Marques descobriu, em 2015, um poema inédito do Machado, intitulado exatamente "Grito do Ipiranga". O texto faz parte da obra "Machado de Assis e as Primeiras Incertezas" e traz outras revelações inéditas e desconhecidas sobre o romancista brasileiro, sobretudo do mundo jovem do escritor.

O aludido poema saiu na segunda página do conceituado jornal Correio Mercantil, no dia 9 de setembro de 1856. Portanto quando o autor, nascido em 1839, tinha apenas 17 anos. Certamente é um dos primeiros textos estampados na imprensa, revelador da nascente verve poética machadiana.

Contendo 76 estrofes, o poema, diz o seu descobridor, faz uma "homenagem à Independência". Um dos seus trechos afirma o seguinte, de forma eloquente e quase épica: "Ypiranga! Inda o vento das florestas/ Que as noites tropicais respiram frescas/ Parecem murmurar nos seus soluços/ O brado imenso – Independência ou morte!/ Qual o trovão nos ecos do Infinito!"

Ficamos por aí com Machado de Assis e sua Independência. E, agora que ela chega na idade da razão —com seus 200 anos—, resta-nos a todos nós, brasileiros e brasileiras, perguntar: houve grito, houve Ipiranga? Sigamos!

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