Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tom Farias

Ecio Salles deixa grande legado literário ao escrever sobre Pai Santana

Cofundador da Flup, Salles foi intelectual suburbano que influenciou gerações de jovens

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O Ecio Salles que nos deixou no ano de 2019 não foi só o agitador cultural que nos legou tantos eventos importantes por muitas edições da Festa Literária das Periferias (Flup). Ele foi também um intelectual orgânico, comprometido, que pensou o espaço urbano a partir do seu recorte arquitetônico, ainda hoje de feição bem colonial, e de sua nobre gente, povo simples e humilde, oriunda de inúmeras favelas ou do subúrbio carioca, ainda muito identificado como uma espécie de quintal das Casas Grandes contemporâneas.

Sem exagero, Ecio Salles foi, nas escritas de suas ideias, uma mistura de Mário de Andrade e Carolina Maria de Jesus das periferias, corroborando aqui –e acrescentando com devida licença— dizer do seu melhor amigo e parceiro, o jornalista Julio Ludemir.

Sob a batuta desses dois, criadores da Flup, em 2012, se formaram escritores, saídos das favelas e do subúrbio, como Ana Paula Lisboa, Geovani Martins e Jessé Andarilho, entre os mais representativos. Ecio Salles, mesmo como escritor, organizou e lançou os livros "Poesia Revoltada – Um Estudo sobre o Hip Hop no Brasil" e o emblemático "História e Memória de Vigário Geral", com base na chacina que abalou cariocas, fluminenses e o Brasil, de um modo geral.

Ele foi um místico que tive a sorte de conhecer e com quem convivi, pelo requinte de nossas andanças e conversas por bares e biroscas das beiras de ruas ou em espaços comunitários –fosse no Complexo do Alemão, de onde ele é cria, ou no Largo da Prainha, nas confluências da Pedra do Sal ou do Cais do Valongo, fosse em Santa Teresa ou no Morro da Conceição. Ecio Salles nasceu em Olaria, tradicional bairro da zona norte, ligado ao ramal da Leopoldina, região histórica da cidade por ter uma origem populacional formada por imigrantes de origem portuguesa e italiana.

Em qualquer desses lugares, Ecio Salles sempre foi parte, mas integrado ao todo, de forma comunicativa e feliz. Foram esses os elementos de sua curta vida, interrompida aos 50 anos, aliás, idade bem comemorada no meio do mar, dentro de uma embarcação na baía de Guanabara, a mesma baía que abraçou o marinheiro João Cândido, na conhecida Revolta da Chibata, em novembro de 1910. Ecio foi um revoltado consciente do seu papel social e político e por tudo isso seu legado faz toda diferença para tanta gente.

Aliás, no apagar das luzes do ano passado, saiu publicado um trabalho que ele tanto batalhou para concluir, mas que não teve o prazer de ver estampado em obra de arte –o livro. Falo da biografia "Pai Santana: O Orixá do Futebol", publicado pela RBNT Editora, sob a supervisão da pedagoga Daniele Salles, porta-voz da Flup e viúva de Ecio.

O livro de Ecio Salles é a obra mais importante e completa sobre a trajetória profissional de Pai Santana no futebol do Vasco da Gama e do Brasil.

A mística colada à vida de Pai Santana de que "macumba não ganha jogo, mas assusta o adversário", está na memória do torcedor cruz-maltino, assim como na energia que emana dos seus gramados.

O massagista Pai Santana, tema de livro de Ecio Salles
O massagista Pai Santana, tema de livro de Ecio Salles - Reprodução

Falar de Pai Santana é falar do futebol brasileiro combatente contra o racismo e o preconceito em sua essência. Pai Santana, nascido Eduardo Santana, na cidade mineira de Andrelândia, sudoeste de Minas Gerais, logo se tornaria figura lendária do futebol carioca e, nos tempos do Vasco da Gama, era entrar em campo e a torcida vascaína vibrar. Poucos, como ele, não sendo jogadores de fama ou técnicos de futebol tiveram tanto prestígio com a arquibancada, dentro e fora do reino da Grande Colina.

Ecio Salles, se vivo estivesse, receberia merecidos louros por um trabalho tão grandioso e acabado sobre Pai Santana e, por tabela, sobre um dos times mais importantes do futebol brasileiro, pelo histórico de luta e campeonatos, como o Vasco da Gama.

Ao escrever a biografia de uma personalidade tão forte e popular dentro e fora dos gramados, Ecio Salles referenda, através de Pai Santana, a história de um esporte e de um país que, se não fosse especialmente pelo Vasco (não o único, diga-se de passagem), não teriam negros nas suas quatro linhas.

"Pai Santana: O Orixá do Futebol", portanto, a biografia, é um livro assertivo e encantador. Dá imenso gosto de ler. Eu o li numa assentada e recomendo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.