Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tom Farias
Descrição de chapéu África

As origens negras por trás da coroação de Charles 3°

Rainha negra que governou a Inglaterra gerou as sucessoras Vitória e Elizabeth

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alguns fatos ligados à realeza fizeram-me pensar o quanto nossa história precisa ser revisitada sempre. A Netflix lançou na semana passada oportunamente a série "Rainha Charlotte: uma História Briggerton", na verdade uma bem-sucedida sequência "spin-off" de "Bridgerton", produzida pela brilhante Shonda Rhimes e estrelada, nessa nova fase, pela inglesa India Amarteifio e pela guianense Golda Rosheuvel —duas excelentes atrizes negras, além da produtora.

Toda pompa e circunstância da série, baseada no livro "Rainha Charlotte", de Julia Quinn e Rhimes, é um aperitivo sobre uma trama, a da série televisiva, ficcional, e a da vida real, com passado de ascendência africana, escamoteada e negada, mas indelevelmente registrada nos DNAs e no sangue dos atuais mandatários e ocupantes do Palácio de Buckingham.

Pode-se dizer que tudo começou com o legado de Sofia Carlota, a rainha Carlota (1744-1818), quando se casou, em 1761, com George 3°. Ela é a retratada na série da Netflix. A mãe de Carlota era a princesa Isabel Albertina de Saxe-Hildburghausen, negra como a filha e bem parecida com seu pai, o duque Ernesto Frederico 1°, duque de Saxe-Hildburghsausen, avô de Carlota.

Na verdade, o sangue negro "real" tem origem muito mais antiga do que pensamos e com várias ramificações nas rainhas Vitória e Elizabeth 2°, chegando ao Brasil: o príncipe dom Luiz de Orleans e Bragança, chefe da Casa Imperial aqui, e o Rei Charles 3°, são primos em sexto grau. O bisavô do conde D’Eu, marido da princesa Isabel, é avô da rainha Vitória. Hoje a genealogia parece envergonhar a realeza.

Ao se casar com o rei George 3°, a alemã Carlota, negona, torna-se Carlota de Mecklenburg-Strelitz e, logo, rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda. Do seu casamento de 57 anos, Carlota teve 15 filhos, 13 sobreviveram até a idade adulta. Carlota vem a ser descendente direta de Margarida de Castro e Sousa, ramo negro da Casa Real Portuguesa.

Logo, o rei Charles 3°, embora não tenha traços negroides, descende de uma mulher negra: é tataraneto da rainha Carlota, portanto ele também tem origem africana correndo nas veias. O passado racial da realeza britânica se mantém um tabu, assunto que provoca grande incômodo e desconforto. Não à toa que a duquesa de Sussex (a afro-americana Raquel Meghan Markle), ou apenas duquesa Meghan, casada com príncipe Harry, duque de Sussex, membro legítimo da família real, com quem tem dois filhos, não compareceu à cerimônia de coroação no último sábado e ele não foi colocado na primeira fila dos cumprimentos ao novo rei, seu pai. Meghan representa sozinha parte de todo o desconforto, o que atualmente resvala no marido.

Meghan Markle e o príncipe Harry, em Nova York - Andrew Kelly/Reuters

Assim como acontece hoje no Reino Unido, histórias negras já aconteceram em outras paragens. As marcas africanizadas da realeza, de origem russa, ocorrem mundo afora. Também o sangue negro do escritor russo Alexander Pushkin, através de sua filha mais nova, Natalia Alexandrovna Pushkin, esquenta as veias da Casa Real de Nassau-Weilburg, no Condado de Nassau, então parte do Sacro Império Romano, igualmente anexado à Alemanha, ao casar com o príncipe Nikolaus Wilhelm de Nassau e se tornar a condessa de Merenberg.

Descendendo do maior escritor e poeta, considerado pai da literatura russa, a negra Natalia Pushkin é obviamente neta de Sergei Lvovich Pushkin e Nadezhda Ossipovna Gannibal e bisneta de Ossip Abramovich Gannibal. O pai de Ossip, bisavô de Pushkin, é Abram Petrovich Gannibal, nascido na atual Eritreia, país localizado no chifre da África, que faz fronteira a oeste com o Sudão e a sul com a Etiópia. Foi escudeiro que viveu sob a proteção do czar da Rússia, Pedro, o Grande, cuja mãe também se chamava Natalia.

O antepassado dos Pushkins, Abram, foi enviado para ser educado na França, onde fez engenharia militar, depois tornou-se governador da antiga Reval e, ainda, general-chefe para a construção de fortes marítimos e canais na Rússia. Há obras dele até hoje pelo país.

Em linhas gerais, como diria minha saudosa avó Maria Fernandes, embaixo desse angu tem caroço, e a realeza britânica e outras existentes por aí sabem disso.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.