Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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Mas por que falar sobre o gênio de Mário de Andrade?

Aniversário do criador de 'Macunaíma' nos ajuda a pensar um Brasil diverso

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O dia 25 de fevereiro passou, e já vai longe, e não falamos da morte de Mário de Andrade (1893-1945). Não falar de Mário de Andrade é se negar a falar de Brasil, pela sua pluralidade de ideias, diversidade e brasilidade, dentro do pleno conceito de vida artística.

No plano pré-concebido dos chamados exegetas, sejam acadêmicos ou simplesmente literários, Mário de Andrade estará sempre relacionado à realização da Semana de Arte Moderna ou de sua obra-prima, o romance conceitualista "Macunaíma: O Herói sem Nenhum Caráter", publicado em 1928, mas escrito dois anos antes, na chácara do seu tio Pio, ou Pio Lourenço Corrêa, morador da cidade paulista de Araraquara.

Retrato de Mário de Andrade por Tarsila do Amaral (1922), parte do acervo do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) da USP
Retrato de Mário de Andrade por Tarsila do Amaral (1922), parte do acervo do IEB (Instituto de Estudos Brasileiros) da USP - Reprodução

"Este livro de pura brincadeira escrito na primeira redação em seis dias de rede, cigarros e cigarras", confidencia Mário em um prefácio que se manteve inédito.

Obviamente, Mário de Andrade vai muito além de seu clássico romance, que só muitos anos depois daria notoriedade ao seu autor. "Macunaíma" é um romance sobre nossa brasilidade, ou sobre a brasilidade que conhecíamos na virada do século 19 para o 20.

Hoje ela não existe mais. Foi descartada por epistemologias que situam melhor o homem e a natureza do seu tempo. Mas não podemos pensar no escritor paulistano apenas pela lógica literária do seu romance mais conhecido.

Com base na racionalidade andradina, a sua concepção narrativa sempre esteve no lugar da diversão, do humor —às vezes de bom-tom, outras vezes ácido ou mórbido—, no sentido brincante do termo em oposição ao cotidiano das coisas e das pessoas do seu tempo, da natureza subversiva no trato de cada um com a sociedade do seu entorno e que enxerga, pelo viés narcisista, o que "acha feio o que não é espelho", para lembrar a bela "Sampa", de Caetano Veloso.

Ainda assim, é preciso reler Mário de Andrade e especialmente seu "Macunaíma" na edição caprichada da editora Antofágica, com as ilustrações de Camile Sproesser, prefácio Antônio Fagundes e posfácios escritos por Tom Zé, Aparecida Vilaça a Fred Coelho, Virgínia Amaral a Cristino Wapichana.

Morto há 78 anos e comemorando, em outubro, 130 anos de seu nascimento, esta crônica pode ser vista como uma espécie de homenagem póstuma semelhante à que será feita pela 11ª edição do Festival Literário de Araxá, o Fliaraxá, de 5 a 9 de julho, da qual ele é patrono.

No contexto da literatura brasileira, "Macunaíma" não é só um romance que abre, na perspectiva estética, um clarão para nova leitura de um gênero literário, mas talvez para um novo cânone.

Os escritos de Mário de Andrade trazem, no plano da linguagem e do visual, pela teatralidade, algo de inovação, de desbunde, de formulação de ideias que desloca o leitor de sua passiva cadeira de leitura para o centro da cena do conflito de questões étnico-raciais brasileiras.

As mesmas que na época de criação da história (em 1926), ainda permanecem presentes no cotidiano do nosso dia a dia, de cidadãos de primeira e segunda classes, desses muitos brasis urdidos pela imaginação polímata da Pauliceia desvairada.

No geral, não há, em "Macunaíma", apelo só à visualização; há história genuína, rastros de reportagens; há memória subliminar de um aprendiz fabulista que bebeu nas fontes da grande historiografia.

Como nesta passagem memorável, do sétimo capítulo do livro: "Era junho e o tempo estava inteiramente frio. A macumba se rezava lá no Mangue no zungu da tia Ciata, feiticeira como não tinha outra, mãe de santo famanada e cantadeira ao violão. Às vinte horas Macunaíma chegou na biboca levando debaixo do braço o garrafão de pinga obrigatório. Já tinha muita gente lá, gente direita, gente pobre, advogados garçons pedreiros meias-colheres deputados gatunos, todas essas gentes e a função principiando."

E mais adiante: "Tia Ciata era uma negra velha com um século no sofrimento, javevó e galguincha com a cabeleira branca esparramada feito luz em torno da cabeça pequetita." Impossível Mário não ter visto esta cena de corpo presente.

Enfim, se Macunaíma é o anti-herói de Mário de Andrade, Mário é o anti-herói macunaímico por excelência, seu construtor, seu idealizador, seu pai. É a criatura e o criador pondo, cada um por si, suas próprias máscaras.

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