Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Tom Farias
Descrição de chapéu Portugal

Dino d'Santiago sob o signo afro-futurista de uma envolvente Lisboa Criola

Festival realizado no Jardim de Verão Gulbenkian, em Portugal, reuniu 12 mil pessoas em três finais de semana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A velha capital portuguesa viveu nos últimos três finais de semana o seu mais belo levante negro. Tudo por conta da segunda edição do festival Lisboa Criola, um mix dos mais diversos sons, elementos rítmicos miscigenados, cruzamentos de músicas africana, brasileira e, pode-se dizer, afro-portuguesa.

Uma espécie de lusofonia à africana, com sotaque cabo-verdiano, espraiando para os territórios de Angola e Guiné-Bissau. Lindo demais.

Elementos rítmicos dessas músicas e culturas foram ouvidos e dançados no Jardim de Verão da Fundação Calouste Gulbenkian, desde a tarde de 23 de junho até o domingo passado, dia 9. Cerca de 40 músicos, performances e artistas se revezaram em dois importantes palcos, tendo ainda a participações de brilhantes DJs, com muita harmonia e colorido, para público estimado em 12 mil pessoas.

Pela primeira vez, pelo menos em Lisboa, uma periferia negra, mais africana do que lusa, ainda com certa estranheza dos donos da casa, invadiu espaço tão nobre e privilegiado. Os jardins Gulbenkian, um oásis no centro da cidade lusitana, com projeto paisagístico para acolher belas estátuas e um impecável gramado verde, tratado para ficar longes dos pés humanos, nunca viu tanta gente junta, e preta, cantando, dançando, se divertindo.

Foram nove dias de comunhão na dança, na música, na celebração, com muito charme de gente bonita e alegre. Um colorido especial no jeito de vestir, nos cabelos alinhados por tranças e dreads, e mesmo em crespos soltos, ou com tiaras de kapulanas e turbantes, alimentaram a imaginação de uma proximidade sem ressalvas com o continente africano e negro.

Músicos de diversos estilos e origens, protagonizaram um espetáculo de mais de 30 concertos, reunindo sonoridades do afrohouse ao afrobeat, do hip hop ao pop, soul, jazz, além das músicas cabo-verdianas, com sotaque bem crioulo, juntando-se à música guineense, passando pela popular brasileira.

O músico Dino D'Santiago - Mike Ghost

Artistas como a guineense Eneida Marta, a "embaixadora da música da Guiné-Bissau" no festival, dona de uma voz carregada de alma, própria para cantar sua dor e alegria, com fulas, mandingas e manjacas. O mesmo podemos dizer da dupla David Cruz e João Pina, de ascendência cabo-verdiana, que cruzam estilos do hip hop, zouk e R&B.

Em território português, a diva brasiliense Ives Greice domina o palco. No Brasil, cantou com Jorge Vercillo, e teve música em novela; por lá, em Portugal, encantou Madonna com sua forte expressão corporal, com muita sensualidade, e voz cristalina e tocante.

Ainda entre os destaques brasileiros, registra-se o nome de Bia Ferreira, a propagadora da MMP, a Música de Mulher Preta, onde aborda questões de racismo, homofobia, feminismo e amor.

Há ainda Vinicius Terra. Esse brasileiro da Pavuna, região da Baixada Fluminense, tem proximidades com conceitos que vão do rap lusófono à nova lusofonia, experimentados em sua discografia, dedicada à cultura pop.

Músico requintado nessa constelação de artistas, é o pianista Jonathan Ferr. Nascido em Madureira, o subúrbio berço do samba e do baile charme, entre as quadras das escolas e o famoso Viaduto. Ferr contrariou o mundo na busca do sonho atrás de sonoridades e se tornou precursor do urban Jazz no Brasil. Misturando referências da cultura brasileira, Ferr produz uma estética colorida e afro-futurista, referências em álbuns como "Trilogia do Amor" e "Liberdade".

Fechando o naipe de artistas, incluem-se Sandra Baldé, a DJ Umafricana, que se diz "portuguesa demais para ser guineense e guineense demais para ser portuguesa". Sua ação reinventa sons com incrível capacidade frenética, que enlouquecem as pistas de dança. Já o DJ Lycox, descendente de angolanos, atualmente vivendo em Paris, é outro sustentado pelas raízes da diáspora africana, com batidas que misturam kuduro e afrohouse, em estilo cru.

Fui testemunha ocular desse grande espetáculo ao ar livre, a convite do curador do festival, o multi-artista Dino d’Santiago, músico bastante estimado por estrelas como Emicida e Madonna, de quem se tornou amigo.

Como um catalizador de talentos, d’Santiago um menino grande e bom. A carinha risonha, o olhar terno e amigo, o acolhedor abraço estendido para unir e integrar, estão sempre prontos para festejar a vida. Assim é Dino —nascido Claudino de Jesus Borges Pereira, no Algarve, há quarenta anos—, filho da pobreza cabo-verdiana, hoje referência na música pop afro-portuguesa e internacional, fundindo universos do soul, hip hop com o batuku e funaná, com sua história crioula, ou a língua que tempera suas canções e lhe dá molejo e gingado.

Dino nos faz reencontrar o ambiente caseiro dos nossos avós – casas cheias de gente, com histórias ancestrais e canções. Ele propaga a descolonização pela música. É um visionário, que advoga a revolução afro-diaspórica a partir de sua "nova Lisboa", um outro olhar de Luanda a Bissau, de Brasília à Cidade da Praia, do Mindelo às periferias lisboetas.

Artista celebrado no Mundu Nôbu, de 2019, álbum que ajudou sua assinatura musical, tendo por epicentro a música do arquipélago de Cabo Verde, que o distinguiu como melhor artista solo, álbum e crítica, além do prêmio "Man of The Year", na área da música, na categoria de melhor ritmo internacional.

Fundador do projeto "Lisboa Criola", em 2021 foi considerado uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes pela Most Influential People of African Descent. Em 2022, esteve à frente da curadoria do evento Jardins de Verão, que contou com artistas da periferia de Lisboa nos jardins da fundação e foi distinguido pela revista Time Out como o acontecimento do ano.

Também em 2022 foi Mentor da 10ª edição do "The Voice Portugal". Este ano foi escolhido pelo jornal Expresso como uma das 50 figuras que podem vir a definir o futuro de Portugal. Dino d'Santiago é um ativista de causas sociais, como participante de vários projetos pela equidade e igualdade social.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.