Tom Farias

Jornalista e escritor, é autor de "Carolina, uma Biografia" e do romance "Toda Fúria"

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O 8 de janeiro ainda não terminou e precisa ser sempre lembrado

O golpe já vinha sendo urdido desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, que fez de tudo para se perpetuar no poder

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O 8 de janeiro é um dia para não ser esquecido de nossa história e memória. E para evitar versões e narrativas desencontradas, precisa entrar para os livros didáticos como luta (e luto) em salvaguarda da democracia brasileira.

A República só é república, porque, logo após o 15 de novembro de 1889, uma massiva propaganda governamental, ainda no governo provisório —e antimonárquico—, propalou pelos quatro cantos os lemas da tomada de poder: ordem e progresso. Em seguida, destruíram os símbolos do império em espaços públicos, e não custa lembrar que Dom Pedro 2º e família real foram expulsos e banidos da vida nacional, ato só revogado no início da década de 1920.

Em abril de 1964, em outro golpe militar, não foi muito diferente. De novo uma propagação de notícias mentirosas (hoje fake news) distorcia fatos numa narrativa que colocava o governo do deposto presidente João Goulart numa situação de usurpador da nação, perdulário e comunista.

Vândalos invadem a praça dos Três Poderes e depredam os prédios - Gabriela Biló /Folhapress

Argumentos para concretizar golpes no Brasil nunca faltaram. Talvez faltam atitudes mais energéticas para punir golpistas, até porque a legislação do país oferece brechas, sobretudo a pessoas poderosas, jurídica e financeiramente falando.

Eu tinha pouco mais de dois anos em 1964, quando a ditadura foi implantada no Brasil —e durou 21 anos. Como era criança, nada me lembro das movimentações daquele dia. Mas em meados dos anos 1970, morador do subúrbio de Realengo —área compreendida como "vila militar"—, adolescente de 14 para 15 anos e militante do movimento estudantil, fui duramente repreendido por militares, por ser negro, pobre, suspeito e "por vadiagem". Era corrido para casa, sob a mira de baionetas, gritos ofensivos e bicadas de coturno. Realengo tinha exibição militar, com tanques pela rua, quase todos os dias.

Lembro-me bem, em Realengo, o desfile a cavalo que João Baptista Figueiredo, último presidente do regime, realizava pela principal rua do bairro, a Marechal Modestino. Ele fazia equitação na antiga Escola Militar de Realengo, por ironia do destino, a escola onde o aluno Luís Carlos Prestes, da "geração Realengo", despontou para a vida brasileira e para a vitoriosa caminhada da Coluna Prestes.

Os atos golpistas de 8 de janeiro não têm relação direta com o 15 de novembro de 1889 nem com o 31 de março de 1964, mas guardam similaridades do modo de pensar e agir e ajudam a refletir o país a partir da fase ruim de sua história.

Não podemos jamais subestimar esse jogo político, mesmo com outra ordem constitucional em vigor. Talvez precise ser instituído o Dia Nacional de Luta pela Democracia, data cívica de preparo dos brasileiros para alternância do comando da nação.

Ideal é ser lembrado como um dia para jamais ser esquecido de nossa memória. Falar de golpe é sempre algo que incomoda, ainda mais para aqueles que gostam de colocar panos quentes em tudo. Assim foi no século 19, após a "mão de ferro" de Floriano Peixoto, e em 1964 —que, aliás, tem ótimos motivos para ser refletido, exatamente por completar seus 60 anos.

Aceitar que a democracia foi salva no segundo turno das eleições de 2022, com a expressiva votação do povo negro, indígena, população LGBTQIA+, nortistas e nordestinos, que encararam bloqueios de estradas, ameaças e violências de toda ordem, é um passo importante entender esse estado de coisas.

Há um ano não se tentou o golpe porque o Lula foi vitorioso nas eleições; o golpe já vinha sendo urdido desde o primeiro dia do governo Bolsonaro, chefe da facção criminosa, que sempre, em meio a aliados, familiares e Forças Armadas, imiscuídos o Congresso e o Judiciário, fez de tudo para se perpetuar no poder.

Isso se assemelha a loucura de Floriano Peixoto, que calou o Supremo da época. Isso lembra a campanha anticomunista dos militares de 1964 iludindo a população. Agora, ingredientes de um e de outro —e sentimento antidemocrático—, temperou um atentado à Constituição e à democracia, que só não contou com a argúcia do Marechal de Ferro ou a articulação do oficialato, muitos saídos dos bancos escolares das terras suburbanas realengas.

Nem um passo pela presunção de inocência dos golpistas e seus asseclas, fardado ou à paisana, comandados pela sanha de sua principal e aloprada cabeça —um tal ex-presidente da República Federativa do Brasil.

A Democracia não é democrata sob o sol de novos anistiados.

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