Professores de direito ensinam logo no primeiro ano da faculdade que robôs não podem substituir juízes.
Sustentam que a sentença não resulta de simples equação, na qual interagem lei, jurisprudência e doutrina, além de argumentos e provas das partes. Haveria pelo menos mais um fator, e este seria humano da cabeça aos pés: a interpretação.
O raciocínio sempre fez sentido porque nenhuma ferramenta de inteligência artificial apresentava vantagens capazes de superar suas próprias limitações.
Agora, porém, entrou em cena o ChatGPT.
Sua habilidade central é o processamento de textos: escrever emails, memorandos, relatórios, piadas, roteiros; resumir conteúdos; construir paráfrases; responder a perguntas; traduzir; e o que mais a imaginação de seus mais de 100 milhões de usuário permitir.
Dado esse potencial, não surpreende que já existam debates sobre as profissões que serão substituídas. Até atividades criativas estão na berlinda, e faculdades começam a rever métodos para lidar com o avanço da inteligência artificial.
Nas carreiras jurídicas, a questão é anterior ao ChatGPT, mas ela ganha tração agora. Estagiários e advogados juniores terão espaço nos escritórios se a inteligência artificial puder fazer com mais qualidade versões iniciais de contratos e petições?
E quanto a auxiliares de magistrados, que elaboram relatórios acerca do caso a ser julgado? Com os processos se tornando eletrônicos, o que impede o juiz de usar um chatbot para escrever uma sentença?
As vantagens são muitas, a começar da velocidade: um desses robôs executa em minutos ou segundos a tarefa que pode consumir semanas de um juiz. Mas a principal talvez seja a redução dos vieses cognitivos que interferem em uma decisão. Eles são muitos.
Vários estudos nas últimas décadas mostraram que julgadores podem ser influenciados não só por suas preferências ideológicas ou por traços de personalidade, mas por aspectos como o nível de fome ao bater o martelo ou o desempenho do time de preferência na véspera.
Algoritmos não estão livres de vieses –longe disso. Mas a máquina pode ser treinada para superá-los, ao passo que seres humanos resistem até para admitir que os têm.
O ChatGPT ainda não está pronto para tamanha responsabilidade; aprimoramentos estão em curso. E, para substituir um juiz, falta uma etapa fundamental: ser possível subir textos na ferramenta –leis, jurisprudência, doutrina e petições das partes.
Não deve demorar muito para que isso aconteça. E, quando isso acontecer, eu quero ter a liberdade de poder escolher o ChatGPT como juiz –pelo menos nos casos em que eu estiver com a razão.
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