"Nascida na periferia de SP vira secretária estratégica de Doria", dizia um título nesta Folha na segunda. Meu primeiro pensamento, tomando um gole de café, foi: e daí?
Reações assim costumam ser um indicativo de que o título não funciona para atrair o leitor, como no velho exemplo dado nas Redações do cão que morde o homem —notícia, explica-se, seria o homem morder o cão.
Não era nada clara a ligação —ou, como parece ter sido a intenção, a distância— entre uma coisa e outra, tampouco o uso do verbo "virar". É surpreendente que uma pessoa nascida na periferia seja secretária do governador? Mais surpreendente se ela for a única pessoa da periferia a compor o quadro de um governo em São Paulo. Era para ser uma história de superação? Se sim, o que foi superado? Sua condição periférica?
A mídia brasileira, embora venha se esforçando para diversificar suas Redações, é composta majoritariamente pela classe privilegiada de brancos nascidos em famílias intelectualizadas em bairros centrais, ou distantes, mas ricos, dos grandes centros urbanos.
Esses jornalistas ainda têm de aprender a lidar com seus fetichismos e desconhecimentos, entre eles os que dizem respeito à periferia.
A periferia não é uma massa uniforme de pobreza e precariedade. São muitas as periferias de São Paulo.
Que o grande qualificador de uma pessoa bem-sucedida, importante a ponto de alcançar o título de seu perfil, seja ter nascido na periferia mostra o quanto editores ainda apostam que seus leitores sejam como seus colegas: fiquem surpresos com um destino de pessoa periférica que não inclua criminalidade, luta cinematográfica pela sobrevivência ou morte violenta.
Nascida na periferia de São Paulo que virou editora-assistente no maior jornal do país, não douro a pílula.
Sei que a vida lá na Vila Cisper é diferente da em Pinheiros, mas conheço nascidos na periferia que viraram traficantes, e nascidos na periferia que viraram excelentes roteiristas de TV, engenheiros ou professores.
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