Vaivém das Commodities

A coluna é assinada pelo jornalista Mauro Zafalon, formado em jornalismo e ciências sociais, com MBA em derivativos na USP.

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Gabinete do ódio em versão agrícola dificulta vida da ministra da Agricultura

Ministra promoveu acertos de mercados na Ásia e fez avançar acordo Mercosul com União Europeia, mas questões ideológicas geram desgastes contínuos

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A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, está cansada de apagar incêndios. E o fogo vem não apenas da região amazônica mas, principalmente, da mente confusa de membros do governo e até de setores do próprio agronegócio.

Segundo informações de pessoas que convivem com ela no dia a dia, já lhe falta paciência. A saída dela, porém, seria um desastre para o setor que mais pode contribuir para a travessia conturbada do país neste momento de pandemia.

Tereza Cristina, ministra da Agricultura - Evaristo Sá/AFP

Surge uma versão agrícola do gabinete do ódio, cujas baterias estão voltadas exatamente contra os principais parceiros do agronegócio do país.

Quando se imaginava que o mal-estar causado pelo presidente Jair Bolsonaro nas relações comerciais com chineses e árabes no começo de seu governo fosse coisa do passado, o ódio de determinados setores ligados ao bolsonarismo se mostra ainda mais presente.

Os ataques contra o Irã recomeçaram no ano passado, o quarto principal importador de alimentos do Brasil.

Agora, mais uma vez, voltam-se contra a China, o principal comprador de alimentos do país. O agronegócio brasileiro é responsável por exportações próximas de US$ 100 bilhões por ano.

Para algumas entidades do setor, depois de Bolsonaro demitir do Ministério da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que não era alinhado ao governo, é hora de fazer o mesmo com Cristina, que, na avaliação delas, é ligada à China e defende pouco os interesses do agronegócio brasileiro.

É difícil entender o que se passa. Há um aumento da grita, embora ainda venha de poucos, contra a política atual do Ministério da Agricultura e seus parceiros comerciais. Não se veem reações, no entanto, dos que apostam e confiam na atual política do ministério.

Ou essa maioria dos empresários agrícolas toma as rédeas do setor e faz prevalecer a sensatez, ou a voz exaltada desses poucos vai trazer consequências nefastas para o conjunto do agronegócio.

A China é a bola da vez, e os mais recentes ataques ao país vieram da própria família Bolsonaro e de ministros que nada têm a ver com o setor, como o da Educação –a menos que Abraham Weintraub queira vender as bases do Enem para a China e não esteja conseguindo e daí a revolta.

O ponto básico da discussão, levantado por essas vozes cada vez mais presentes, é que o Brasil precisa se voltar mais para os Estados Unidos e esquecer a China. Muitos dos que se arriscam nessa discussão, porém, não têm a mínima noção da dimensão do agronegócio desses três países.

Uma das propostas, por exemplo, é vender soja para os americanos, e não para os chineses.

Amedronta ainda mais que importantes associações de produtores acalentem essas ideias. Algumas até acreditam que o vírus da Covid-19 tenha sido fabricado pelos chineses para dominar o mundo.

Os ataques dessa minoria estão tomando rumos incontornáveis. Os cartazes com palavrões contra membros do governo chinês e o repúdio a tudo o que vem da China e que vai para lá ocorrem exatamente em um momento em que o Brasil acertou várias arestas comerciais com o país asiático. Essas diferenças se arrastavam por anos.

Os sucessivos lucros dos produtores de soja há vários anos se devem à presença da China no mercado brasileiro. Os chineses entendem que essas manifestações são picuinhas e não são o pensamento da maioria, mas até quando?

Essa discussão inócua, de viés ideológico, joga contra o futuro. Os dados do Fundo Monetário Internacional mostram que a China crescerá 9,2% no ano que vem, um porto seguro, portanto, para as exportações brasileiras.

Alguns números devem ser examinados. O Brasil exportou o correspondente a US$ 16,9 bilhões em alimentos neste primeiro trimestre. A China e Hong Kong gastaram US$ 6,5 bilhões por aqui. Os Estados Unidos, US$ 676 milhões.

Em 2019, os chineses compraram US$ 26,3 bilhões em alimentos

no Brasil. A conta do Irã, o quarto principal na lista dos importadores brasileiros nesse setor, foi de US$ 2,2 bilhões.

É bom o país reduzir a dependência da China e buscar novos mercados, como já vem fazendo na própria Ásia. Essa busca, porém, deve ser orientada por questões comerciais, não por uma anacrônica disputa ideológica.

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