Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de "Criar Filhos no Século XXI" e “Manifesto antimaternalista”. É doutora em psicologia pela USP

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Vera Iaconelli

Rua, Bolsonaro!

Alto nível de escolaridade da elite não foi capaz de impedir escolhas desastrosas

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Quando se discute problemas brasileiros, costuma-se concluir que a solução é a educação. Do abuso de álcool aos acidentes de trânsito, passando pelo lixo jogado nos bueiros e a baixa adesão aos exames pré-natais, todos dirão que o nível de escolaridade e o acesso à informação fazem a diferença. Cabe perguntar se a educação também resolveria o problema de nossas desastrosas escolhas políticas.

Será que o alto nível de escolaridade de um país é suficiente para que seus dirigentes sejam também de alto nível? Se pensarmos no exemplo norte-americano, com a tragicômica figura de Trump, fica difícil sustentar essa tese. Mas temos que reconhecer que se trata de um país que, mesmo sendo dirigido por um bufão, não está com sua democracia ameaçada. 

Educação é um conceito amplo e diz respeito a todo o cabedal de informações e exemplos que as crianças recebem do entorno, começando pelos pais, e inclui desde a aquisição da língua aos hábitos mais corriqueiros. Já a instituição escolar, como a conhecemos hoje, é bem recente. Trata-se de um espaço onde é oferecida educação formal, caminho obrigatório para os que buscam a chance de fazer escolhas profissionais ao invés de aceitar subempregos. Tanto a educação que recebemos, principalmente da família, quanto a educação dada nas escolas estão imersas em um imaginário compartilhado, fruto da história de cada país. Ainda que existam variações infinitas, o caldo de cultura na qual estamos mergulhados atravessa nossos atos, mobiliza nossos afetos e dá o tom da nação.

No caso dos norte-americanos, a identificação com a ideia de liberdade individual, de liberdade de expressão e de democracia impregna tudo. Lutar por esses valores está em cada personagem de história em quadrinhos, romance ou filme de guerra. Ser o “povo escolhido” para garantir que essas ideias desçam goela abaixo do resto do mundo também faz parte do fetiche de ser estadunidense, com todo autoritarismo e truculência envolvidos.

O exemplo brasileiro também revela que o alto nível de escolaridade da elite não foi capaz de impedi-la de fazer escolhas políticas desastrosas.

Mas se ainda apostamos na educação é porque a questão que se coloca é sobre qual educação e qual escola queremos. Quais cumprem a função de educar cidadãos e quais se limitam a informar indivíduos indiferentes uns aos outros. Se optamos pela segunda, o recado é claro. Cuide da sua vida, exerça uma profissão, danem-se os demais e, na primeira oportunidade, migre! Se optarmos pelo primeiro, cumprir-se-á a dupla função de formar profissionais e de formar um país onde a cidadania seja um valor com o qual vale a pena se identificar. 

O Brasil chafurda desde sua fundação na ideia de “levar vantagem em tudo” ou “meu passaporte é minha melhor saída”. Para fazer frente a isso é fundamental estudar nossa história e o imaginário decorrente e reconhecer como e quando foi forjada essa mentalidade. “Brasil: Uma Biografia” (Schwarcz e Starling, 2015) e “Hello, Brasil!” (Calligaris, 2017) formam uma excelente dobradinha para começar a conversa. 
Ainda assim, mentalidades mudam.

Se você esteve entre o milhão de pessoas —só em São Paulo— que tomou conta das ruas em defesa do ensino brasileiro no dia 15 de maio, presenciou a combinação de educação solidária, defesa de um ensino cidadão e outra forma de sonhar esse país. A multidão não só sabia a fórmula da água, como com quantos cidadãos se faz um tsunami.

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