Vera Iaconelli

Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI". É doutora em psicologia pela USP.

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Vera Iaconelli

Podemos tirar nossos filhos das redes?

Não há quem não se pergunte sobre o efeito das telas nas crianças

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Gerou comoção a notícia de uma mãe que cancelou o perfil da filha de 14 anos nas redes sociais, que contava com quase 2 milhões de seguidores. Alegando que a superexposição não acrescentava nada à vida da filha, que distorcia a percepção de si mesma e de suas relações sociais, levantou a questão que não quer calar. Quais são as prerrogativas de pais e responsáveis em plena revolução virtual? Temos o direito de tirar os pequenos da festa?

Pela primeira vez, desde o surgimento do que Philippe Ariès chamou de sentimento de infância (por volta do século 17), as crianças voltam a ter acesso irrestrito ao mundo, sem a mediação dos adultos. Acrescentemos a isso a possibilidade inédita de expor-se a milhões de estranhos, e chegaremos mais perto da ideia de infância no século 21.

As demandas contemporâneas por produtividade não ornam com o tempo gasto cuidando de filhos. Busca-se desesperadamente formas de se desencumbir das crianças para que sejamos produtivos. Partimos da ideia imoral de que investir na infância não dá retorno financeiro. O ganhador do Nobel de Economia James J. Heckman já passou a régua nessa conta há algumas décadas (heckmanequation.org) provando que vale sim. É claro que se trata de riqueza voltando ao bem comum, o que talvez explique a dificuldade de sensibilizar para a questão.

As redes sociais foram criadas com a estrita finalidade de fazer seus usuários consumirem, enquanto os entretêm, viciando-os. Elas também se prestam à função de babás numa sociedade cujo estilo de vida é inconciliável com a parentalidade.

Temos o caso, já mencionado aqui, dos engenheiros do Vale do Silício, responsáveis pelo desenvolvimento dessas tecnologias, que não permitem que seus filhos tenham acesso a elas antes dos 14 ou 15 anos. Alegam que o sucesso no século 21 dependerá de habilidades que se adquire em escolas do estilo Waldorf.

Alguns recursos trazidos por essas tecnologias, no entanto, não nos permitem demonizá-las. Movimentos da sociedade civil pelos direitos humanos, visibilização de sujeitos e comunidades segregadas, democratização do acesso à informação, são algumas das qualidades inegáveis dessa invenção, caminho sem volta para a humanidade. A questão do mundo virtual é que sua enorme potência pode ser usada em qualquer direção.

Não há pai, mãe ou cuidador que não manifeste preocupação com o excessivo uso das telas pelas crianças e se pergunte sobre como intervir. Mas Freud provou haver um abismo entre o que o sujeito manifesta e as motivações inconscientes que o movem. Nesse sentido, a experiência clínica mostra que o “como fazer” que os adultos tanto perguntam é irrelevante diante da convicção e do desejo de fazê-lo.

Pais e educadores conseguirão exercer sua função diante das mídias, se e quando eles mesmos estiverem menos desbundados e viciados nelas. Se e quando estiverem de fato convencidos dos riscos. A partir daí poderão se unir a inúmeras instituições sérias que vêm acumulando informação sobre malefícios e possibilidades do uso da internet na infância. Existem estudos feitos pela Organização Mundial de Saúde, pela Sociedade Brasileira de Pediatria, pela Unesco, pela Universidade de São Paulo, pela Educamídia, entre outros, que apontam os problemas e orientam melhores práticas.

Se fizermos um paralelo —um tanto forçado— entre a criação da internet e o domínio do fogo, diria que estamos deixando nossas crianças brincarem com o que não deviam.

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