Vinicius Mota

Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.

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Vinicius Mota
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Complô contra a democracia ocidental é interpretação falsa

Se Hillary tivesse ganhado em 2016, alarido com fake news seria o mesmo?

A maior dificuldade para o estudo dos fenômenos sociais é não haver contraste perfeito entre o que aconteceu e o que teria ocorrido caso a história, por qualquer motivo, tomasse outro curso.

O presidente Donald Trump, na Casa Branca
O presidente Donald Trump, na Casa Branca - Pablo Martinez Monsivais/AP


Se a democrata Hillary Clinton tivesse vencido a eleição presidencial americana de 2016, todo o barulho em torno do papel das fake news, da ingerência russa e dos oligopólios das redes sociais no resultado das urnas seria o mesmo de hoje?


Fazer essa pergunta equivale a procurar saber se houve mesmo impacto desses fatores no desfecho eleitoral e, em caso positivo, qual foi o seu peso comparado ao de outras causas de definição do voto. É uma prova diabólica para as ciências sociais, virtualmente impossível de ser obtida em grau satisfatório de confiança.


Numa análise exploratória, a sorte parece ter dado contribuição para o republicano. Na Flórida e em Michigan, menos de 125 mil eleitores num total de 13,7 milhões, 9 em cada 1.000, fizeram a dianteira de Trump. Um triunfo democrata nesses dois estados teria mudado o nome, o gênero e o partido do presidente eleito.


Sobre fake news, a psicologia experimental aplicada ao comportamento do eleitor já havia reiteradamente sugerido que o seu efeito é parecido com o da pregação para convertidos. Incidem sobretudo em quem já tem propensão a comportar-se da maneira pretendida pelos falsários.


Se torço para o Flu, acredito num conto cabeludo contra o Fla e/ou ajudo a divulgá-lo, mas não caio na conversa nem alimento a intriga se sou rubro-negro. O efeito sobre quem está equidistante das paixões, o que de fato interessa num pleito polarizado, é bem mais fraco e mediado.


No mundo dos vieses e da realidade parcialmente inescrutável, o discurso pós-Trump das forças liberais, de um complô a ameaçar a democracia ocidental, está cheio de exageros. É preciso cuidado com as notícias e as interpretações falsas.

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