Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Os aiatolás e o comércio brasileiro

Parte dos responsáveis pela política externa de Bolsonaro tem ideias ideológicas

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O acordo para facilitar o comércio entre o Mercosul e a União Europeia vai ficar mais difícil no governo de Jair ​Bolsonaro, disse Angela Merkel, chanceler da Alemanha, o que causava um certo alarido na mídia desta quarta-feira (12).

A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, para quem Bolsonaro tornará mais difícil acordo entre UE e Mercosul
A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, para quem Bolsonaro tornará mais difícil acordo entre UE e Mercosul - John MacDougall/AFP

Não era para tanto nem pelo motivo certo. Mais importante é saber se as ideias da futura equipe econômica sobre comércio exterior vão predominar ou se devem ser sabotadas pela bizarrice jacu e intelectualmente lúmpen de responsáveis pela política externa no bolsonarismo.

Preocupam mais certas respostas estereotipadas que parte da turma bolsonarista dá a qualquer questão de política de comércio exterior: “Mais acordos bilaterais, menos acordos com blocos econômicos”. A frase feita não quer dizer grande coisa, quando não é mera macaquice do trumpismo.

Relações bilaterais com mais quem? Cerca de 23% das exportações brasileiras vão para a China, que vem sendo espezinhada por aiatolás do bolsonarismo. Cerca de 16% das vendas vão para a União Europeia, um bloco; 12% para os Estados Unidos, 9% para o Mercosul, outro bloco. O restante vai ficando meio picado.

Note-se, em primeiro lugar, que o Brasil vende metade de suas mercadorias para as três principais economias do mundo e já tem relações comerciais com quase todos os países que se interessem em comprar alguma coisa daqui, com peso desproporcionalmente pequeno talvez para o Japão.

Em segundo lugar, entre os mercados maiores, a União Europeia é o que relativamente mais encrenca para os produtos brasileiros.

Terceiro, acordos são apenas parte do negócio e da história das relações comerciais, é constrangedor ter de escrever tal coisa. 

A fim de vender mais, o Brasil tem de produzir mais e melhor, o que depende em parte de importar mais máquinas e insumos de qualidade. Ou seja, depende da implementação prudente e capaz do programa do Ministério da Fazenda, não o dos aiatolás.

Por fim, ocioso dizer também que não escolhemos clientes.

Baseada em ignorância sobre os benefícios do comércio exterior, muita gente diz que os Estados Unidos compram do Brasil mais “bens de maior valor agregado” do que os chineses. Não compram por boniteza, mas por precisão; um acordo comercial melhorado com os americanos não vai mudar muito essa situação.

Nossos maiores produtos de exportação são soja, petróleo, material de transporte (carros, aviões e partes) e minérios. Sim, mais da metade do valor das vendas de aviões do Brasil vai para os Estados Unidos (US$ 2 bilhões de US$ 217 bilhões do total de exportações brasileiras em 2017). Representa 0,07% do total das importações americanas. 

O país não vende mais aviões para lá por falta de produto competitivo ou por falta de acordo comercial? Por falta de dinheiro americano é que não é.

Os chineses compram 65% da soja brasileira, 35% do petróleo, 49% dos minérios, 27% da carne. 

Compram porque o Brasil tem bom preço e quantidade. Mas podem mudar de ideia, um dia. Sei lá, plantar soja na savana africana, comprar mais petróleo do Oriente Médio, mais ferro da Austrália.

Em suma, os problemas do comércio são tão multifacetados quanto os clientes e produtos do país. 
Não há política geral —isso é ideologia, como dizem bolsonaristas.

Importante é aumentar o comércio, o que depende de não atrapalhar as empresas, de boa política econômica, reformas e acordos com quem queira fazer negócio, bloco, país ou ilha.

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