Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Luta feia pelos restos do país

Brasil está na situação de optar entre a guerra por fundos públicos e o suicídio

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Os servidores federais vão à luta para não pagar o aumento de contribuições previdenciárias previsto na reforma Bolsonaro-Guedes. É uma batalha da guerra civil por outros meios que está por vir caso o país decida de fato redistribuir de modo decente o gasto público. A Previdência é o aspecto maior desse drama, mas apenas um.

Parte do que se chama de reforma da Previdência é mesmo um projeto de reduzir o valor de salários, aposentadorias e pensões de servidores. O governo não tem mais como pagar essa conta do tamanho em que está. Menos ainda tem como bancar a Previdência dos trabalhadores do setor privado, o RGPS, problema ainda maior e mais explosivo.

Qual é o caso então com os servidores, além de salários fora da realidade? Em termos absolutos, o déficit do sistema de Previdência dos funcionários federais é menor que o do setor privado, embora proporcionalmente maior, em relação ao tamanho da sua despesa. E, sim, há privilégios.

Pelos mais recentes dados públicos disponíveis, a média do valor das aposentadorias do Executivo era 53% maior que a do teto do INSS. No Judiciário, 2,3 vezes o teto. No Ministério Público, 1,6 vez. No Legislativo, “os políticos”, 3,8 vezes.

“Ah, pau nos políticos!”. Suponha-se que o Congresso seja extinto e arrasado; que sua terra seja salgada, e sua gente, declarada infame até a décima geração; que deputados, senadores, funcionários e seus aposentados, viúvos e órfãos evaporem no espaço sideral. Tal economia lunática pagaria cerca de 1,6% da despesa da Previdência do “setor privado”.

Sim, qualquer dinheiro é relevante neste país em que gente cata o que comer no lixo. O que se pretende mostrar é que não está fácil de arrumar um culpado para ficar com a conta.

Em 2017, Michel Temer quis aumentar a contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14%. O socialista PSOL, acompanhado de sindicatos, reclamou no Supremo que alíquota progressiva de contribuição é inconstitucional. Imposto progressivo, argumentavam, tem de ser expressa e explicitamente previsto na Constituição e é confisco, de resto.

O ministro Ricardo Lewandowski, um líder da categoria, deu liminar cancelando a coisa, com apoio da Procuradoria-Geral da República.

Na reforma Bolsonaro-Guedes, de quanto será a contribuição extra dos servidores? Antes de mais nada: na metade mais pobre do país, o rendimento domiciliar por cabeça é de uns R$ 400. O benefício médio do Bolsa Família é de R$ 187,56 mensais.

Servidor que ganha até uns R$ 5.800 vai pagar uns trocados a menos. Para quem recebe uns R$ 10 mil, o desconto extra seria de R$ 180 mensais. Quem ganha em torno de R$ 20 mil, desconto adicional de R$ 770; salário de R$ 30 mil perde mais uns R$ 1.500. Para quem ganha o que deveria ser o teto de R$ 39 mil do funcionalismo, desconto extra de uns R$ 2.260.

Segundo o governo, esse aumento de imposto renderia R$ 13,8 bilhões, na soma dos próximos quatro anos. Nesta pindaíba, é dinheiro. Mas paga só 44% da despesa do Bolsa Família em um ano. Ou um quarto da conta de benefícios para idosos e deficientes muito pobres.

Apenas para sair do vermelho, o governo tem de cortar 9% de seu gasto (facada de R$ 125 bilhões).

Mesmo assim, não pagaria nada da despesa de juros, que se amontoa na dívida.

Para onde quer que se olhe, há contas estouradas e a feia necessidade. O país se explodiu. Como chegamos a isto vai ser tema de outras conversas.
 

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