Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Vinicius Torres Freire

Governo fala em 'imprimir dinheiro', mas ideia está longe de chegar à prática

Guedes disse que pode acontecer, mas é hipótese teórica ou o governo já pensa em agir?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Paulo Guedes afirmou que o governo pode “imprimir dinheiro”, maneira “pop” de dizer que o Banco Central pode criar moeda do nada a fim de comprar títulos públicos. Isto é, emprestar dinheiro para o governo. Na prática, grosso modo, o endividamento extra seria financiado com dinheiro criado do nada, para ir no popular.

O troço é mais enrolado, mas a questão mais importante nem é explicar a aparente mágica.

As perguntas são:

  1. Guedes apenas mencionou uma hipótese teórica de uma política extraordinária, adotada no Japão dos anos 1990, nos EUA e na Europa depois da crise de 2008 e agora outra vez, por causa da ruína da epidemia?
  2. O ministro choveu no molhado, porque o BC já admitiu que pode em tese recorrer a tal política, faz mais de três semanas? Aliás, o instrumento que permite ao BC comprar títulos do Tesouro foi negociado com o Congresso faz um mês;
  3. Os economistas do governo já pensam em partir para a ação (embora a decisão, oficialmente, caiba ao BC)?

Até para economistas-padrão, quando a taxa básica de juros da economia, de curto prazo, chega a zero ou perto disso, e a atividade econômica continua morta ou quase isso, uma opção restante para o Banco Central é reduzir as taxas de juro de prazo mais longo. Para fazê-lo, compra títulos do Tesouro, elevando seus preços, derrubando a taxa (é a mesma coisa). Grosso modo, foi o que Guedes disse.

A taxa de curto, a “taxa do BC”, é a Selic, está em 3,75% ao ano, muito e exageradamente longe de zero. Há gente na praça financeira fazendo campanha para evitar que a Selic caia mais. Dizem que mais capital fugiria do país, o dólar ficaria ainda mais caro, não adiantaria nada para reavivar a economia etc. Bidu.

Desde que a pandemia abalou as finanças do mundo, as taxas de longo prazo no Brasil subiram, o que tem dificultado o financiamento e a rolagem da dívida pública, entre outros problemas.

Enfim, Guedes falou no assunto e Roberto Campos, presidente do BC, já admitiu comprar títulos do Tesouro para achatar a curva de juros. A permissão para fazê-lo será em breve concedida pela aprovação da PEC do Orçamento de guerra. O que vai acontecer, então?

O BC vai acelerar a campanha de redução da Selic, até porque as perspectivas são de inflação mínima ou na prática nula, apesar de as expectativas do mercado serem ainda loucamente altas?

O BC poderia tentar reduzir os juros longos (comprando títulos), na marra, mesmo antes da Selic ir a perto de zero? Difícil, seria meio escandaloso entre economistas-padrão e causaria salseiro no mercado.

A política extraordinária do BC poderia ter o efeito óbvio de, no fim das contas, financiar o governo a juro zero ou perto disso, fazendo de resto que a dívida pública seja rolada no curto prazo. A economia continuaria catatônica, mas o déficit e a dívida públicos cresceriam menos, reduzindo o tamanho da desgraça a ser resolvida no futuro.

Dificilmente a gente vai escapar de algo assim, dado o desastre previsto na economia e nas contas públicas. Mas essa não é uma conversa fácil para economistas como esses que estão no governo.

O achatamento da curva de juros, a redução dos juros longos, dificilmente terá efeito na atividade econômica, asfixiada pela pandemia (quem vai investir ou emprestar muito dinheiro, dada a perspectiva de ruína?).

Então, vai ter dinheiro caindo do céu? Vai ter “impressão de dinheiro”? Ou se trata apenas de arma guardada para o Armagedom, de uma ruína terminal do pós-pandemia?​

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.