Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

Plano para refinanciar dívida das famílias pode dar certo?

Governo pode até bancar parte da conta, mas dinheiro iria para quem mais precisa?

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Talvez seja possível criar um meio de renegociar dívidas, como propõem Ciro Gomes (PDT) e Lula da Silva (PT), não necessariamente nos termos sugeridos por esses candidatos. É assunto complicado, para financistas, microeconomistas e entendidos em programas de redistribuição de renda.

Sim, redistribuição, transferência de renda, "programa social". É difícil imaginar um plano desses sem subsídios. Isto é, sem que o governo banque parte da conta.

Se o dinheiro dos impostos ou de dívida pública extra vai bancar a conta, qual o critério para escolher o beneficiário? Apenas ter dívidas bancárias em atraso? Haveria gente em situação pior do que ser inadimplente? É quase certo que sim.

Cédulas de real - Gabriel Cabral - 21.ago.2019/Folhapress

Isto posto, é fácil lembrar dos programas de perdão de dívidas de impostos de empresas (na média, um Refis ou coisa parecida a cada dois anos, neste século). É fácil lembrar dos empréstimos de bancos públicos com taxas de juros subsidiadas para empresas também imensas, alguns dos quais financiaram, direta ou indiretamente, fusões e aquisições, formação de oligopólios e coisa ainda pior.

Ainda assim, é difícil fazer.

O governo pode criar incentivos para que bancos renegociem mais débitos em atraso. Na epidemia, houve exemplos e ideias a fim de auxiliar empresas. O governo pode permitir que os bancos usem dinheiro que têm de deixar parado no Banco Central (depósitos compulsórios) ou diminuir exigências de capital ou de provisões, desde que refinanciem dívidas. É um tanto a ideia do PT.

Problemas. Os bancos já refinanciam e abatem dívidas, no limite do seu interesse. Os clientes que restam na inadimplência são quase "perda total". Por que bancos refinanciariam esses "créditos podres", as dívidas restantes (mesmo com incentivos), se o risco de calote é enorme?

O governo pode bancar as possíveis perdas dos bancos nesses casos —é um subsídio. Porém, se os bancos não correrem também algum risco de perda, qual a qualidade do crédito que vão conceder? Vão emprestar para qualquer um? Para quem, com qual critério socialmente relevante? A que taxa de juros e prazo?

Uma outra ideia é que os bancos públicos comprem essa carteira de crédito ruim dos bancos privados. Isto é, que paguem algum para os bancos privados para ficar com o empréstimo (e o possível futuro pagamento dos atrasados).

Esses empréstimos seriam vendidos em leilão, como na ideia do PDT. Quem vendesse mais barato, faria negócio. O banco público então refinanciaria seu novo cliente, a pessoa inadimplente, com juros e prazos generosos (compensados pelo governo). Haveria estrutura para conceder empréstimos para dezenas de milhões de pessoas em dificuldade?

Esse dinheiro do governo iria para quem mais precisa (com dívidas atrasadas ou não)? Em parte, não: os bancos poderiam faturar algum com créditos "perda total" que vendessem ao governo.

Pode ser ainda que bancos estatais criem uma linha de crédito a juros baixos. A pessoa decide se quer tomar o empréstimo, desde que use o dinheiro para pagar atrasados, no grosso cartão de crédito e cheque especial. Bancos ganham algum; pessoas mais espertas financeiramente, já usuárias do sistema bancário, talvez saiam do desespero. Difícil dizer que elas sejam as mais pobres.

De quanto seria o total de dinheiro gasto em subsídio? Teria uso alternativo melhor, socialmente mais justo? Um sistema de microcrédito ágil e amplo não seria melhor?

Há ainda algum risco de seleção adversa (beneficiar maus pagadores contumazes), de incentivo ao calote.

Não fazer nada é fácil. Mas a coisa é complicada e pode dar em besteira e iniquidade, uma aposta fácil no Brasil.

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