Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Vinicius Torres Freire

A ruína que virá com nosso descaso com PCC, Amazônia, vacinas, escola, dívida etc.

Deixamos o crime tomar o país até chegar à política; estamos gestando mais desastre

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Nos anos 1990, autoridades do governo do estado de São Paulo diziam que o PCC não existia. Era uma fantasia da imprensa. Mas esse unicórnio havia sido fundado em 1993, até com estatuto.

Em 2001, o PCC já dominara presídios paulistas. Em 2002, passou a melhorar a governança. Bandidos mais destemperados perderam o poder ou a cabeça. Avaliou-se que a aliança com o Comando Vermelho não rendia sinergias. Profissionalizou-se a gestão, sob o comando de Marcos Camacho, aliás Marcola.

Com o levante de 2006, o PCC mostrou que era capaz de aterrorizar e paralisar São Paulo com ataques a policiais, rebeliões em presídios, boatos, atentados e crimes em geral.

"A história do levante homicida do PCC começa a se desvanecer. Transforma-se aos poucos em um desses confusos casos judiciais que amarelecem nas gavetas da burocracia e da politicagem. Talvez voltemos a saber de Marcola quando descobrirmos o mensalão do PCC. Isso mesmo, deputados levando dinheiro do lobby oficial do crime" escrevia em 2006 este jornalista, nesta Folha, duas semanas depois da insurreição.

O criminoso Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado pela polícia e Promotoria como o chefe do PCC, maior grupo criminoso brasileiro - Sergio Lima - 21.jan.2020/AFP

Não era previsão, apenas desespero amargo. Mas aconteceu. Há indícios gritantes, para ficar no eufemismo, de que vereadores paulistas recebem propina do PCC. O suborno, na verdade, é apenas parte de esquema muito maior de expansão do poder político e dos negócios do crime, já estabelecido em ramos como transporte público, postos de combustíveis, comércio, limpeza e vigilância.

Depois de presídios, o PCC dominou bairros pobres com autoridade quase estatal (poder de polícia, Justiça e "regulação" econômica). Invadiu a Amazônia. Ainda não se sabe qual o ramo de atuação de cada grupo, mas PCC e similares organizam ou financiam extração pirata de madeira e minério, tráfico de pessoas, desmatamento. O crime também se internacionalizou. É parte das cadeias globais de valor de cocaína.

A novidade é que promotores e polícia investigam esse horror de modo sistemático no estado. A leitora dirá que o jornalista é ingênuo, pois coisa pior já acontecera. Os Bolsonaro bancavam parentes da milícia, por exemplo.

Entre a política municipal de São Paulo e Rio e as alturas do poder federal, quanto mais já estará tomado pelo crime? A pergunta também é ingênua. Como mostram tantos cientistas sociais, há mais do que invasão do Estado pelo crime, mas o desenvolvimento de um Estado criminoso. Enquanto isso, o Congresso se ocupa de constitucionalizar a prisão em massa de gente pega com trouxinha de maconha.

Estas linhas nem chegam a ser um resumo superficial do desastre sabido. A ideia é lembrar como deixamos um monstro crescer até ficar fora de controle, se é que já não nos controla. É fácil listar outros desastres em gestação.

A desmoralização e o fracasso das campanhas de vacinação são um convite a epidemias e à morte de crianças.

O avanço parlamentar sobre o Orçamento vai esgotar em breve a capacidade de investimento federal de impacto, picotando o dinheiro em obras de pinguelas, acelerando a ruína da já precaríssima infraestrutura nacional.

Mesmo que tivéssemos crescimento econômico mais veloz, não será possível empregar parte da população, por causa do descaso sempiterno com a educação; falta de escola e envelhecimento vão levantar o assunto da imigração de mão-de-obra.

O crescimento ominoso da dívida pública pode se transformar em crise súbita quando as taxas de juros voltarem a subir, por inflação ou outra crise.

A destruição sem volta de Amazônia e Cerrado, nas nossas fuças, ameaça maior de hecatombe, nos deixaria sem água, eletricidade e agricultura.

Mantemos um monte de panelas de crise no fogo. Um dia, o caldo entorna. Temos visto.

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