Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Descrição de chapéu jornalismo

Fake news ainda serão muito importantes nesta eleição

Efeito de conteúdos falsos deve ser mais modesto, mas fluxo intenso dos últimos anos permanecerá distorcendo cognições

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Uma pergunta recorrente nestes dias é se fake news terão em 2022 o mesmo impacto que tiveram em 2018, a nossa primeira eleição presidencial dominada por esse tipo de ação política digital.

A questão é séria. Exceto os propagandistas do bolsonarismo, pela evidente razão de que, para eles, é importante defender a ideia de que o seu candidato foi escolhido lucidamente por um eleitor bem-informado, ninguém tem dúvida de que, sem a quantidade industrial de fake news e narrativas de complô distribuídas em ambientes digitais em 2018, não haveria Bolsonaro presidente.

Os ministros do STF Edson Fachin (esq.), presidente do TSE, Luiz Fux, presidente da Corte, e Alexandre de Moraes durante o lançamento do Programa de Combate a Desinformação do STF - Pedro Ladeira - 18.mai.22/Folhapress

Sem elas, os sentimentos antipolítica e antipetismo não alcançariam o nível estratosférico daqueles anos, nem as narrativas fundamentais para a construção de um discurso, uma imagem e um personagem a serem sustentados pelo ator Bolsonaro teriam alcançado e convencido tantas pessoas, de maneira tão invasiva, com tanta velocidade e abrangência.

A sociedade aprendeu amargamente a temer fake news quando constatou, durante o auge da pandemia de Covid em 2020 e 2021, que essas não são apenas uma poderosa arma eleitoral; são uma arma política com vários fins e grande eficácia.

Dois mil e vinte foi o ano em que aprendemos que qualquer dimensão da vida, inclusive a saúde pública, pode ser inescrupulosamente convertida em parte da campanha eleitoral permanente de uma facção política. E que, em matéria de democracia ou de saúde coletiva, a consequência e o propósito são sempre os mesmos: impedir que as pessoas tomem as melhores decisões baseadas nas melhores informações disponíveis.

Mas, enfim, terão ainda impacto?

De um lado, é fato que a atividade não desapareceu, os cartéis em que são manufaturados fake news e complôs não foram desbaratados e, fora atos eventuais do ministro do STF Alexandre de Moraes, as bocas de distribuição não foram estouradas, nem os grandes traficantes desistiram do seu ganha-pão, apesar de algumas prisões e fugas espetaculares e o efeito positivo disso (o "efeito Xandão") sobre todo o sistema.

Afinal, não é uma indústria clandestina, mas uma atividade conduzida por parte do grupo que legalmente ganhou a última eleição presidencial no país e em benefício próprio e que fabrica e distribui informação falsa à luz do dia em plataformas digitais com costas quentes ou de posse de invulneráveis mandatos eleitorais.

Mas, se as tribos e seitas políticas continuam receptivas a conteúdos falsos provenientes de fontes certificadas pelos seus líderes tribais, fora das bolhas de afinidades, é provável que a desconfiança tenha crescido.

O jornalismo de apuração, que voltou a funcionar em 2020 depois de longo torpor, e as agências de checagem não se furtam a enfrentar informações falsas, e o STF e o TSE vêm há algum tempo tomando medidas para mostrar que a atividade é passível de punição. Com isso, 2022 definitivamente é um cenário muito diferente de 2018.

Há, pois, fatores que autorizam uma expectativa de efeito mais modesta. O primeiro deles está enunciado na própria pergunta: as fake news e a logística da sua distribuição não são mais uma novidade.

O inquérito do STF, a CPI das Fake News, o jornalismo investigativo e a pesquisa científica nos ajudaram a entender os mecanismos por trás desse tipo de propaganda. Seria razoável esperar que as pessoas tenham aprendido a usar filtros e que um nível de saudável ceticismo tenha se espalhado na comunidade dos usuários de aplicativos de mídias sociais.

Além disso, fake news e complôs têm metas claras: demonizar os inimigos e disseminar o pânico moral. Dependem de (falsas) revelações de podres e maldades dos inimigos.

Mas, resta ainda alguma coisa nova e bombástica a ser dita sobre os inimigos satanizados de 2018, o PT e a política tradicional, e de agora, o PT, o STF e o TSE e o jornalismo de referência? A não ser que se invente um monstro diferente embaixo da cama, será muito difícil assustar e escandalizar as criancinhas acostumadas ao circo de horrores desde 2016. Ficamos calejados.

Impacto imediato, contudo, é uma coisa, e influência a médio e longo prazos é outra. Em política, fake news e teorias do complô são meios, não fins. São recursos usados para mudar imediatamente convicções, atitudes e comportamentos, inclusive o voto, mas a longo prazo se cristalizam em visões de mundo, valores, interpretações arraigadas da realidade política e em filtro para qualquer informação política nova.

Assim, pode-se até imaginar um mundo idealizado em que, enfim, alguém impeça a atividade dos cartéis de falsificadores de fatos e dos traficantes de fake news, mas o efeito das informações distribuída em fluxo contínuo por seis anos permanecerá por muito tempo ainda no sistema cognitivo e afetivo das pessoas: distorcendo cognições, estimulando comportamentos, sedimentando certezas falsas.

De modo que, sim, de um jeito ou de outro, fake news ainda serão muito importantes nesta eleição. Infelizmente.

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