Na última vez em que Lula debutou na Presidência, a comunicação governamental era um recurso que se dominava com boas sonoras presidenciais nos telejornais do horário nobre, algumas entrevistas a órgãos selecionados e uns anúncios pagos. Vinte anos atrás, a imprensa ainda ocupava o centro da esfera pública, distribuindo visibilidade, oferecendo insumos para a discussão dos assuntos de interesse comum e até registrando e promovendo o debate nacional.
Os governos e a sociedade reclamavam por não ter o controle da pauta da deliberação pública ou do enquadramento predominante dos problemas sociais e das respostas políticas que estes demandavam. Na verdade, sequer tinham o domínio sobre que questões eram consideradas dignas ou não da atenção pública.
Quando as comunicações digitais entram em cena, desafiando a hegemonia do jornalismo profissional e superando-a em apenas três décadas, o jogo muda. Os ambientes digitais em que se discutem política, problemas sociais e assuntos de interesse comum são mais horizontais que o sistema verticalizado e de vetor unidirecional da imprensa profissional; a conversação civil que aí se estabelece é muito mais ampliada e universal, permitindo o acesso de qualquer voz e qualquer ponto de vista.
A decisão sobre a agenda e o enquadramento, sobre os scripts dominantes para os enredos políticos, sobre a imagem de um político ou partido, tudo passa a depender principalmente das dinâmicas da atenção pública, fora do controle das duas dezenas de redações profissionais que ainda são lidas e ouvidas.
Hoje tudo se recombinou na ideia de que todo governo precisa "produzir conteúdo" e disseminá-lo pelas arenas digitais —de modo multiplataforma e multiformatos, para os mais variados públicos— se quiser conduzir o debate público e vender seus projetos e o seu ponto de vista sobre os problemas nacionais.
Se, em 2003, saber negociar com o Congresso e com os grupos de interesse e fazer uma gestão pública eficiente eram habilidades essenciais para governar, em 2023 nada disso tem a menor chance de dar certo se o governo não fizer política por meio da comunicação. O que inclui ganhar a disputa pela atenção pública, além de contar as histórias por meio das quais as pessoas entendem o que está acontecendo ao seu redor e decidem onde investir o seu afeto.
O cenário anterior dava aos governos, contudo, um álibi plausível para eventuais fracassos na condução da opinião pública, uma vez que tudo podia ser posto na conta de uma mídia acusada de adversária e de intencionalmente distorcida e manipuladora. No novo ambiente horizontal, aberto, ubíquo e confuso das comunicações digitais, governos que não têm uma estratégia de comunicação para se impor no mar dos "conteúdos" em vertiginosa circulação provavelmente fracassarão. Por isso mesmo a demora e a hesitação que o governo do PT demonstra para ir a bordo são particularmente perturbadoras.
Lula desfruta ainda de um inédito período de boa vontade de quem produz conteúdo político, inclusive do jornalismo e dos grupos de interesse, mas vem dilapidando esse capital com o fatal hábito de produzir barulho em vez de comunicação. Teve sorte.
O apego ao sucesso eleitoral da frente ampla e a sensação de que a democracia foi restaurada mantiveram a conversa civil favorável ao presidente. Depois, a injúria do 8 de Janeiro e o noticiário sobre a crise humanitária que afeta os yanomamis foram fundamentais para manter aquecido o desprezo pelo bolsonarismo. Não fosse isso, a comunicação presidencial seria quase exclusivamente um rastro de tretas, busca ativa por provocar aliados recentes, criação de bodes expiatórios e retorno à retórica populista destinada à própria bolha.
Que fique atento, porém, pois o excesso de barulho é um sintoma de que não há estratégia alguma em curso: na falta de um plano, fazemos zoada. Ou, pior ainda, o barulho pode findar por impedir uma estratégia bem arquitetada, pois a todo momento os articuladores e os planejadores precisam correr para apagar os incêndios que o presidente inicia, a dizer que "fomos mal interpretados" e que não é bem assim.
Chutar canelas é fácil, difícil é dizer para onde se quer ir e de que modo.
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