Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes
Descrição de chapéu Folhajus

Cada um quer um juiz do Supremo para chamar de seu

Novamente, é hora do lobby, e há dois times em campo pressionando Lula

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Um juiz do STF em quem o presidente possa confiar, um para representar o Nordeste e o Norte, uma juíza negra, dois juízes para os LGBTQIA+, na razão de um para os LGB e outro para o resto da sigla, que não demora muito e isso termina em secessão.

Já temos um juiz terrivelmente evangélico e outro terrivelmente leal ao bolsonarismo, quiçá não seria o caso de termos um ferozmente lulista e outro absurdamente liberal? Um juiz garantista, um abolicionista penal, outro sincrético. Um juiz decolonialista, uma juíza interseccional... E será que já não está na hora de um juiz negro e periférico?

Foi pela época do julgamento do mensalão que o brasileiro comum botou na cabeça que juiz da Suprema Corte é fundamental para se ganhar jogos, exatamente como no futebol, como bem o sabem corintianos e flamenguistas. E que, portanto, o negócio é ter um juiz para chamar de seu. Aliás, quanto mais juízes que "nos representem", melhor, pois representar passou a significar algo como fazer advocacia dos nossos interesses, da nossa identidade ou das nossas preferências políticas.

No centro da ilustração, um pássaro de cabeça preta, penacho branco, corpo com plumas amarelo-alaranjadas, veste uma longa toga preta. Está pousado numa mão de quatro dedos. Ainda pode se ver o punho da camisa azul claro e uma pequena parte da manga do paletó cinza escuro. À esquerda uma gaiola dourada com a porta aberta. No chão projetam-se as sombras da gaiola, pássaro e mão.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 18 de abril de 2023 - Ariel Severino

Como o centro do ativismo político hoje consiste em militar por representação, exige-se implicitamente um princípio de cotas que obrigue o STF a ter a cara do mundo como o vejo. Se sou um identitário progressista, todos os grupos historicamente oprimidos precisam ter representantes na Suprema Corte; se sou identitário de direita, quero que o Tribunal seja o reflexo do Brasil profundo negado pela esquerda e pelos progressistas, isto é, conservador, tradicionalista e cristão.

Há uma premissa inquietante por trás de tanta reivindicação: as decisões judiciais são orientadas basicamente por um critério que cada juiz torna pertinente. Uns juízes decidiriam com base na fidelidade a quem os indicou, enquanto os votos dos outros decorreriam diretamente da sua identidade de gênero, raça, origem, classe social: um juiz negro vota como negro, um juiz branco julga como branco, tertium non datur.

Amarras objetivas e positivas como o texto constitucional, precedentes hermenêuticos, doutrinas testadas no campo jurídico, os votos apresentados por outros membros do colegiado, o esclarecimento recíproco em sessões deliberativas, tudo isso seria secundário, assim como estaria em terceiro plano a própria consciência moral do juiz.

Só um juiz terrivelmente evangélico ou uma juíza negra entende certas coisas e tomaria certas decisões. Não há justiça possível, então, se todas as orientações sexuais, cores de pele, identidades de gênero, regiões geográficas, credos e tipos de corpos não forem representados, dando-se preferência, claro, aos habitualmente preteridos.

Edson Fachin, Luiz Fux, Carmen Lúcia, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e André Mendonça na última sessão plenária de que Lewandowski participou - Fellipe Sampaio/SCO/STF

Essa mesma premissa, enunciada candidamente na esfera pública nos momentos em que há vaga para se contratar um novo juiz, é usada para atacar as decisões da corte, quando a hora do conflito político se apresenta. A decisão que não nos agrada tampouco nos surpreende, pois, afinal, o que se podia esperar de um colegiado dominado por homens brancos, cis, héteros, colonialistas, burgueses, ricos, do Sudeste, com cargo vitalício e salários astronômicos? Ou de um bando de esquerdistas, escolhidos a dedo por Lula e Dilma, globalistas, progressistas, nem tementes a Deus nem eleitos pelo povo brasileiro?

Novamente, é hora do lobby, e há dois times em campo pressionando Lula. De um lado, o time da representatividade identitária. Para estes, só haverá uma escolha digna se uma pessoa "heteroidentificada" como apta representante de uma minoria for endossada pelo presidente. "Mulher negra", p. ex., é a escolha óbvia do Zeitgeist. De outro lado, o time da fidelidade luta para que Lula tenha aprendido a lição da história e escolha um juiz usando o mesmo critério de Bolsonaro, isto é, leal e fiel à mão que o indicou, mesmo que à custa da própria imagem e reputação. Neste caso, "o advogado de Lula" parece a melhor aposta.

O curioso nisso tudo é que quando Bolsonaro anunciou que indicaria juízes segundo os dois critérios em disputa —um para representar os evangélicos conservadores, os dois por fidelidade a ele—, a todos pareceu chocante que juízes do STF fossem escolhidos por parâmetros tão pouco republicanos.

Palavras como "competência", "honestidade" e "fidelidade à Constituição" foram arregimentadas para condenar tal heresia. Pelo jeito, o que é feio nos outros é feio justamente porque nos outros; em nós, ao contrário, até que assenta bem.

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