Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes

O PL 2630 como parte da guerra cultural da extrema direita

É imensa a lista das batalhas dentro da mesma batalha

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A aprovação ou não do PL 2630 transformou-se numa batalha moral de proporções épicas. Pelo menos é o que se depreende de tantas forças mobilizadas para a luta.

É tanta organização do terceiro setor e tanto grupo de interesse, é toda a enorme bancada conservadora da 57ª Legislatura da Câmara, são as big techs multinacionais, em geral indiferentes aos clamores locais, as grandes empresas de jornalismo e, por fim, até consagrados artistas e realizadores culturais, prontos para a guerra, à base de lobby e manifestos, de anúncios e reportagens em jornais, em defesa da própria agenda nesse projeto. Quando cachorros grandes entram em conflito, convém não subestimar o que está em jogo.

Na verdade, há muitas batalhas travadas ao redor do mesmo projeto e talvez isso seja um dos seus problemas. Era um projeto sobre fake news, hoje é um projeto sobre muitos interesses.

Assim, há quem tenha vindo lutar pela sobrevivência do jornalismo ou para defender a vida pública sem fake news e sem o vale-tudo da guerra de informação. E há os que se alistaram para transformar as plataformas em um safe space hipercorreto, isento de misoginia, transfobia, racismo e de todas as fobias que se puder imaginar.

Outros compareceram para impedir o monopólio progressista e secular das redes sociais, ou que as delicadas e autoritárias susceptibilidades identitárias se tornem o novo parâmetro moral para o que pode ou não ser dito online. Há ainda os que se apresentaram no front porque não querem as mídias sociais usadas para planejar um novo 8 de Janeiro ou para organizar e promover massacres em escolas. E há até os que resolveram aproveitar o furor legislativo antiplataformas para fazê-las pagar por direitos autorais. E tem, do outro lado, as empresas de plataformas e os fabricantes de fake news, jogando na defesa, para que se mude o menos possível de um negócio que, para eles e por diferentes razões, está dando muito certo.

Na ilustração em bico de pena preto e branco, dois homens nus flutuam no ar surfando sobre grandes celulares a modo de pranchas. Com olhos vendados por uma faixa estreita, lutam empunhando longos remos como armas. Vestem protetores de cotovelos e joelhos com pontas ameaçadoras. Muito perto um do outro tentam-se derrubar, um golpeia com o remo a cadeira e o braço do adversário, o outro acerta um golpe no joelho esquerdo.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 2 de maio de 2023 - Ariel Severino

É imensa, portanto, a lista das batalhas dentro da mesma batalha. Destaco apenas uma delas, talvez a mais decisiva, quem sabe a única que não deveria poder ser adiada.

Há uma guerra cultural em curso, entre a nova extrema direita mundial e a cultura liberal-democrática, deliberadamente deflagrada pelo populismo autoritário que emerge politicamente, no cenário eleitoral internacional, em 2016. Os termos dessa guerra dizem que a descendência do Iluminismo (os liberais, a esquerda) dominou a sociedade, o Estado, a política, a ciência e a cultura, que a direita conservadora precisa tomar tudo de volta e que a conquista da hegemonia depende da política eleitoral, decerto, mas que o fluxo da mudança passa primeiro pela cultura —isto é, pelos significados e valores socialmente compartilhados, pelas mentalidades e visões do mundo, pelos aparatos ideológicos da distribuição da verdade— para, enfim, chegar às eleições.

Toda luta pela hegemonia depende do ambiente social de comunicação predominante em um determinado momento. Os liberais das revoluções democráticas do século 18 recorreram à nascente imprensa para enfrentar a aristocracia, os nazistas, ao rádio e ao cinema no início do século 20, a televisão prestou-se a inúmeros usos dessa natureza durante os 60 anos em que reinou absoluta. Neste momento, os ambientes que se formaram sobre as plataformas digitais é que oferecem as informações de que todos precisam, e a que todos recorrem, além dos meios e recursos de interação e integração social de que todos necessitam e que as sociedades demandam.

Por isso, a nova extrema direita nasceu digital e é inovadora no modo como usa tecnologias digitais de comunicação para seus propósitos. Mas é também por isso que, ao redor do PL 2630, se disputa um conflito decisivo pelos recursos bélicos disponíveis e pela configuração do campo de batalha em que se trava a guerra cultural da extrema direita. Por isso o escarcéu.

Não haveria extrema direita sem a transformação digital da produção e consumo de informação, bem como da interação e da integração sociais produzida pela vida online. A transformação digital é algo inexorável e não volta atrás —apesar de tanto lamento de nostálgicos e o neoluditas—, mas se acredita que se possa guiá-la, de alguma forma, para que produza mais, não menos democracia.

Os bolsonaristas, contudo, não vão entregar sequer um palmo de terreno sem luta renhida. Sabem-se minoritários na opinião pública, mas, afinal, têm o que conta no fim do dia: votos na Câmara dos Deputados e uma multidão compacta de apoiadores em estado de guerra permanente.

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