Câmara adia votação do PL das Fake News para evitar derrota do governo Lula

Projeto é alvo de pressão das chamadas big techs, da bancada evangélica e do bolsonarismo

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Brasília

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou nesta terça-feira (2) a votação do PL das Fake News, numa tentativa de evitar a principal derrota da articulação política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde o início do atual mandato.

O adiamento foi decidido em meio à pressão da oposição e após uma reação do governo e do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), contra a ofensiva feita por big techs para barrar a proposta.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em sessão plenária que tentou votar o PL das Fake News
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em sessão plenária que tentou votar o PL das Fake News - Lula Marques - 2.mai.23/Agência Brasil

Lira, que se reuniu com Lula pela manhã, afirmou à tarde se só pretendia manter a votação do PL se houvesse apoio suficiente. À noite, após o próprio relator do projeto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), pedir, o presidente da Câmara confirmou o adiamento —sem marcar nova data para a apreciação no plenário.

Mais cedo, o presidente da Câmara já havia sinalizado que, se não houvesse apoio suficiente, postergaria a votação. "Se não tiver voto, meu intuito é que não vote hoje", afirmou, ao chegar à Câmara no final de tarde desta terça (2).

Questionado se o adiamento poderia enterrar a proposta, Lira negou: "O que enterra é a derrota. A derrota enterra".

A decisão na Câmara ocorre após pressão de empresas como Google e Meta, assim como da bancada evangélica e do bolsonarismo, que apelidaram o texto de "PL da Censura".

A urgência do PL foi aprovada na última terça-feira (25) por 238 votos a favor e 192 contrários. Acordo feito por líderes partidários previa a votação do mérito nesta terça. Ao longo da semana, no entanto, a resistência ao projeto foi crescente.

Para tentar contornar os entraves, Orlando Silva amenizou o texto e incluiu dispositivo para tentar assegurar que conteúdos postados por religiosos e seus fiéis não fossem derrubados por plataformas por serem considerados ofensivos à população LGBTQIA+.

O relator também retirou a previsão de uma agência reguladora, entidade que a oposição vinha apelidando de Ministério da Verdade. Deputados viam risco de interferência ideológica na agência, com a retirada de conteúdos de opositores.

Mesmo após as mudanças, muitas bancadas ainda se mostravam divididas sobre a votação do texto, caso do PSD, do MDB e do Podemos. As alterações também foram insuficientes para aplacar a resistência dos evangélicos.

No sábado (29), o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, anunciou que o partido votaria contra o projeto. Ele disse que os votos favoráveis a uma tramitação mais célere não se confundem com a posição em relação ao mérito do tema.

"Ninguém assumiu o compromisso de votar o projeto propriamente dito", declarou. "É verdade que ele [relator] fez vários ajustes no texto, acatou muitas sugestões da bancada evangélica, de vários parlamentares de vários partidos, inclusive do Republicanos, mas o texto continua ruim."

Pela manhã, pastores e bispos alinhados à esquerda manifestaram apoio ao projeto, criticando a postura das plataformas digitais. À tarde, integrantes da frente parlamentar evangélica disseram que votarão contra o texto.

"Teremos 95% da bancada votando contrariamente ao projeto", afirmou o segundo vice-presidente da Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).

Segundo ele, 45% dos parlamentares começaram agora seus mandatos. "Eles não participaram do debate que foi conceitual no grupo de trabalho na legislatura passada", continuou. "Muitos se assustaram com as reações de seus eleitores."

Nesta terça, após pedir adiamento, Orlando Silva disse que, "mesmo após todos os encontros e ouvindo todas as bancadas", não houve tempo útil para examinar todas as sugestões.

O deputado pediu mais tempo para incorporar as sugestões feitas, "de modo que possamos ter uma posição que unifique o plenário da Câmara dos Deputados num movimento de combater desinformação, garantir liberdade de expressão, responsabilidade para as plataformas e transparência na internet".

Lira, em resposta, disse querer ouvir os líderes partidários e lembrou que colocar ou não o projeto em pauta é prerrogativa do presidente da Câmara. "Eu estou sendo justo com o país, não com radicalismos", disse.

Pouco depois, Lira pediu a líderes partidários que opinassem sobre o pedido do relator. Líder do PP na Câmara, André Fufuca (MA) concordou com a retirada de pauta.

"Eu gostaria pela boa fé e bom entendimento pudéssemos adiar essa votação e retirar de pauta a matéria para que todos possam construir uma matéria com ampla maioria que todos tenham certeza que estão votando que é melhor não apenas ao parlamento mas ao Brasil", disse.

Líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), se manifestou de forma divergente e cobrou que o texto fosse votado nesta terça ou que já tivesse outra data para a votação. A bancada do Novo também pediu que a proposta fosse apreciada nesta sessão.

Lira, no entanto, acatou o pedido da maioria dos partidos e decidiu retirar o projeto de pauta. "O pedido do relator para mim já é suficiente", disse. "Portanto, de ofício, o projeto não será votado na noite de hoje." Cobrado por Sóstenes sobre uma nova data, Lira se recusou a marcar nova votação.

O segundo vice-presidente da Câmara, a seguir, passou a criticar a votação do projeto, sendo repreendido por Lira. "Não é fácil para mim, olhando para os 464 eleitores daqui de cima, tomar posições que só lhe agradem ou só agradem o outro lado", disse.

"Vocês não podem me aplaudir quando eu cumpro o regimento e pauto a CPI do MST. Vocês não podem me aplaudir quando eu cumpro o regimento e disse que pautaria o marco temporal se o Supremo pautasse lá o marco temporal", afirmou Lira.

O presidente da Câmara ainda criticou as plataformas. "Nós demos oito dias [desde a votação da urgência] para que as big techs fizessem o horror que fizeram com a Câmara Federal. E eu não vi aqui ninguém defender a Câmara Federal", disse. "Num país com o mínimo de seriedade, Google, Instagram, Facebook, Tik Tok, todos os meios, Rede Globo, quem quiser, todos os meios tinham que ser responsabilizados."

Como mostrou a Folha, o Google lançou uma ofensiva contra o PL das Fake News.

Levantamento do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sugere que a empresa vinha privilegiando nos resultados de buscas sobre o projeto de lei conteúdo contrário à sua aprovação. Também tinha publicado alerta no YouTube sobre "impacto negativo" para os criadores e enviado mensagens a youtubers a respeito.

Na segunda (1º), o Google fixou logo abaixo da caixa de busca em seu site um link com os dizeres: "O PL das fake news pode piorar sua internet". O link, agora retirado, direcionava para um post do blog do Google com críticas ao projeto.

À Folha a empresa negou que estivesse privilegiando links contra o PL em seu buscador e afirmou que seus sistemas de ranqueamento se aplicam para todas as páginas da web, incluindo aquelas que administra.

Sobre o link contra a proposição, a plataforma afirmou tratar-se de recursos já utilizados em outras ocasiões, "incluindo para estimular a vacinação durante a pandemia e o voto informado nas eleições".

O governo Lula entrou em campo para tentar garantir a aprovação, mas ao longo de terça não conseguiu reunir os votos necessários.

Na manhã de terça, Lira foi ao Palácio da Alvorada para uma reunião com Lula.

Horas depois, o petista disse que não iria interferir na tramitação do PL das Fake News. "Não sei [se PL será votado]. Eu procuro não me meter muito na questão da Câmara, porque conversar com um já é difícil, imagina conversar com 513 [deputados]. Deixa a Câmara decidir a hora que vai votar. E vamos aguardar o resultado", afirmou o presidente.

Ainda nesta terça, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), anunciou medida cautelar que obriga o Google a informar se se tratava de uma publicidade o link que estava em sua página inicial, retirado do ar minutos depois, com críticas à proposta.

A reação contra as big techs não se limitou ao governo federal.

Na tarde desta terça, Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal tome depoimentos dos "presidentes ou equivalentes" de Google, Meta e Spotify, além da produtora de cunho conservador Brasil Paralelo, sobre a atuação deles contra o PL das Fake News.

Moraes também solicitou que essas empresas procedam à remoção integral de todos os anúncios e textos veiculados, propagados e impulsionados a partir do blog oficial do Google e com ataques ao projeto.

O magistrado determinou as oitivas no âmbito do inquérito das fake news. Ele citou ainda a possível prática pelas big techs de "ilícita contribuição com a desinformação praticada pelas milícias digitais nas redes sociais".

Em outra frente, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) abriu um procedimento preparatório de inquérito administrativo para apurar o suposto abuso de posição dominante por parte do Google e da Meta em meio às discussões do PL.

Segundo o conselho, a decisão foi tomada após o recebimento de denúncias de que as duas companhias estariam usando indevidamente as plataformas Google, YouTube, Facebook e Instagram para campanhas em desfavor do projeto de lei.

O Ministério Público Federal em São Paulo expediu ofício nesta segunda cobrando explicações do Google sobre ofensiva da plataforma contra o PL das Fake News.

A votação do PL das Fake News ganhou força no governo Lula após os ataques golpistas de 8 de janeiro e depois dos ataques a escolas em São Paulo e em Blumenau (SC).

O texto em discussão traz, entre outros pontos, uma série de obrigações às plataformas de redes sociais e aplicativos de mensagem, como a moderação de conteúdo.

O Google suspendeu sua campanha publicitária com textos críticos ao PL 2630 após a decisão de Moraes.

A empresa interrompeu sua campanha online no próprio Google e em outras plataformas, assim como a publicidade em outros veículos de mídia.

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