Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Descrição de chapéu Folhajus

Duvivier, as juristas negras no STF e as tensões na esquerda pós-Bolsonaro

Esquerdas estão colidindo, porque em casos assim seus interesses se chocam

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Semana passada, Gregorio Duvivier resolveu ser porta-voz de um lobby encabeçado pelo movimento Mulheres Negras Decidem, que apresentou uma lista tríplice de juristas negras para a próxima vaga aberta no STF. A iniciativa proposta consistia em uma campanha para convidar Lula para um café com suas candidatas.

Duvivier é uma dessas figuras públicas progressistas que foram fundamentais contra o obscurantismo bolsonarista nos últimos anos e decisivas para a apertadíssima vitória de Lula em 2022. Imaginava ele, como eu, que tivesse crédito e legitimidade para defender um princípio e endossar nomes para uma função pública tão crucial. E, afinal, o que ele fez é nada fora do comum na política ou nos episódios de nomeações para o STF.

Mas foi um alvoroço no cercadinho petista, parecia que grave imoralidade havia sido cometida. Duvivier ouviu tantas e de todas as cores, foi insultado e acusado e, enfim, revogaram suas credenciais de progressista. Nada muito diferente, enfim, do que lhe fizeram passar bolsonaristas e conservadores, exceto pelo cancelamento.

O interessante do ataque, contudo, é o quanto ele é expressivo do universo da esquerda na era pós-Bolsonaro.

A esquerda, não é de hoje, está dividida, quebrada mesmo, entre a esquerda de luta de classes, com a sua eclesial "opção pelos pobres", e a esquerda da política identitária, com seu foco único nos "direitos identitários". As partes já estavam em tensão, mas agora estão colidindo, porque em casos como esses os seus interesses se chocam.

A coisa é mais séria do que se pensa, pois se reflete no casal presidencial. Lula vem da luta de classes, Janja visivelmente vem da política identitária. O Lulo-janjismo tenta se equilibrar como pode, mas há uma tensão evidente. A pauta identitária tem hoje entrada garantida na Presidência, mas será sempre filtrada pela pauta de classe e, sendo Lula quem é, por seu pragmatismo político. Que, diga-se de passagem, é essencial para que possa governar e, neste país em que pedidos de impeachment são uma arma engatilhada na gaveta do presidente da Câmara, para a sua sobrevivência. Isso não quer dizer que os lobbies identitários, como qualquer outro lobby, não tente dar um empurrãozinho na direção que lhe convém, ainda mais contando com a simpatia da ressignificada primeira dama.

Na ilustração, sobre fundo branco, um homem obeso, desenhado em bico de pena preto, segura uma faca apertada entre os dentes. Veste camisa branca, gravata vermelha e uma calça azul marinho. Na sua mão direita uma estrela de cinco pontas vermelha, O homem se protege, de uma chuva de meteoritos, segurando com a mão esquerda um guarda-chuva vermelho, onde batem os meteoritos iluminados de variadas cores: turquesa claro, lilás, laranja avermelhado… etc
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 12 de setembro de 2023 - Ariel Severino

A maior pedra no caminho do lobby de Duvivier, porém, talvez não seja o petismo que defende o candidato que for "comprometido com a luta do trabalhador", uma vez que por esse cálculo Zanin seria reprovado, mas a base de militantes e fãs de Lula que não tolera que o critiquem ou pressionem. Sobretudo se quem o faz é da esquerda e/ou progressista. Quem é Duvivier na fila do pão para se atrever a constranger Lula com uma lista tríplice para o STF? Esta semana dá-se o mesmo com Jean Wyllys: quem é ele na fila do beija-mão de Lula para ter a ousadia de insultar um dos seus ministros? Os pretensiosos serão carinhosamente apresentados ao chicote que a fanbase de Lula —que é igualzinha a qualquer outra fanbase desses tempos ferozes— costuma usar no lombo dos dissidentes, dos críticos, dos que tentam "emparedar" o presidente.

Além disso, no caso do STF, a perspectiva de Lula parece se condensar num critério: será alguém em que ele confia. A prisão e todo o lawfare a que foi submetido tornaram Lula compreensivelmente ressabiado. Entre escolher uma juíza para "representar" uma minoria e um juiz que seja uma rocha firme nos maremotos da volubilidade política, a escolha é óbvia.

Para completar o quadro, há que se considerar a desconfiança de quem se acha parte da esquerda raiz com que ele julga ser da esquerda-Leblon, essa do Gregorio, agora que a eleição passou. Eu disse Leblon, mas é um Leblon simbólico, pode ser qualquer outro lugar composto por pessoas brancas, cultas, ricas e progressistas criticando a sociedade dominada por pessoas brancas, cis, hétero e ricas. E que acha que no centro dos problemas nacionais estão as questões da "representação", do colonialismo e de algum "ismo estrutural".

Esse episódio do lobby pelo STF ilustra graficamente, em suma, a briga poliédrica que resume a esquerda que retorna ao poder: O forte lobby identitário da esquerda-Leblon confrontado pela crescente impaciência que suscita na esquerda de classes, de onde saem os lulocêntricos que puxam a faca para quem se atreve a pressionar o presidente. No meio disso, o próprio Lula, que tem uma agenda particular para indicações para os tribunais superiores, com prioridades acima dos interesses identitários ou classistas.

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