Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

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Wilson Gomes

O que está por trás da batalha pelo STF

Não fosse a Corte, não se teria avançado nada na agenda de direitos na última década

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Parece estranho, mas o brasileiro agora se preocupa mais com a escalação do Supremo Tribunal Federal do que com a composição da seleção de futebol. Exagero, claro, pois a massa está mais preocupada com coisas menos sublimes, tais como sobreviver todo dia à pandemia de homicídios que infesta o país ou como fazer caber em um salário infame um longo mês de despesas e aflições.

Mas as redações, os setores intelectuais médios, os hiperpolitizados que junho de 2013 nos deixou como legado, a classe política, o governo, os neoconservadores, a chamada "opinião pública", enfim, não pensa em outra coisa a não ser em quem Lula indicará para a próxima vaga no STF. E o efeito Zanin certamente tornou a coisa ainda mais candente.

Faz sentido. Primeiro, é um fenômeno mundial: em democracias que comportam grandes e indefinidos desacordos, o Judiciário finda por representar uma saída para os grandes impasses morais e políticos em que a política empaca e o consenso parece impossível.

Segundo, há que se acrescentar um tempero brasileiro: não só vem diminuindo por aqui o poder do governo no Congresso como também crescem exponencialmente as bancadas conservadoras e de direita, ao mesmo tempo em que sociedade se dividiu numa polarização que parece incurável. O centro político virou pó e a esquerda perdeu a comunicação com a base, deixou de ter a capacidade de apontar votos e está rachada, ao que parece, irremediavelmente, entre "classistas", com a sua opção preferencial pelos pobres, e "identitários", com a sua luta exclusiva pelo que Flávia Oliveira chamou de "direitos identitários".

Na ilustração de Ariel Severino, três togas aparecem penduradas em cabides dum vestiário de futebol. Duas delas de costas, mostrando a da esquerda o número 8 e a da direita o número 9. A toga central, de frente tem maior destaque e não tem nenhum número a vista. Na frente abaixo, um gramado onde descansa uma bola de futebol. O fundo do vestiário é um céu azul claro com algumas nuvens, desfocadas, mostrando distância.
Ilustração de Ariel Severino para a coluna de Wilson Gomes de 5 de setembro de 2023 - Ariel Severino/Folhapress

Para os progressistas, o horizonte parece preocupante. Cada legislatura tem sido mais conservadora que a anterior há mais de cinco ciclos eleitorais e o avanço vertiginoso do bolsonarismo mostrou que, quando um progressista perde a Presidência, é um deus nos acuda, pois tudo o que a política de movimentos leva anos para conseguir a política institucional pode derrubar em uma votação numa madrugada qualquer ou numa canetada de um presidente autoritário.

Os progressistas, nesse momento, estão a sotavento, os conservadores, com o vento a favor, mas há um impasse: os conservadores tomaram a hegemonia nos movimentos sociais, na base difusa da sociedade e nas casas legislativas; os progressistas ficaram com a Presidência da República e fizeram das redações dos jornais de referência, dos setores intelectuais médios e das universidades o seu bastião.

O STF tornou-se decisivo. Não fosse o Supremo, não se teria avançado um milímetro na agenda de direitos e reconhecimento social de minorias na última década, apesar de toda a autocomplacência dos movimentos identitários e do louvor à própria "potência". Direitos ambientais e digitais, limites constitucionais ao autoritarismo, defesa mais elementar de garantias constitucionais, tudo hoje passou a depender do Supremo. No fundo, todo progressista pressente que se perder o STF, adeus, viola.

Como em Estados medievais que levavam a sua causa ao Sumo Pontífice, toda semana os brasileiros voltam as cabeças e os corações para o Sumo Tribunal, pois certamente uma decisão política crucial emanará daquela veneranda casa. Aliás, a casa legislativa mais importante do país.

Uma intelectual progressista que respeito muito disse nesta semana achar "complicado que temas como aborto e drogas sejam deixados nas mãos do STF. Parece um atalho para nossa incapacidade de ganhar apoio na sociedade. Ou seja, uma substituição da política". Tem razão. Mas é que estamos no território dos desacordos e nenhum dos lados tem força parlamentar ou apoio social para vencer o outro e impor um novo consenso. Então vai-se aguentando como pode, encontrando atalhos, comendo pelas beiradas, apegando-se a Deus e ao Supremo.

Os democratas torcem as mãos, em uma mistura de angústia e desespero com algum alívio e resignação. A sensação geral é que esse negócio de redesenhar as funções de um dos Três Poderes da República assim, no vai da valsa, na improvisação por força das necessidades e segundo a inspiração dos juízes de turno, não é um modo lá muito seguro de modificação do design institucional ou da cultura política de qualquer democracia.

Por outro lado, numa sociedade politicamente empacada em conflitos, com apetites vorazes avançando sobre os direitos dos outros e grupos influentes se aproveitando da confusão para esculpir o Estado conforme os próprios interesses, quem pode subestimar a batalha pelo STF?

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