Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Wilson Gomes
Descrição de chapéu memes internet jornalismo

O papel dos memes na política

As formas expressivas e concisas são parte da língua franca da era digital

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Memes são parte fundamental da vida digital. Logo, da vida. Mesmo os que professam estranhas sentenças como "não tenho redes sociais", durante conversa em alguma mídia social, reconhecem que vivemos em ambientes sociais digitais.

No final dos anos 1990, os primitivos que por lá viviam ainda separavam os mundos em "real" e "virtual" enquanto diziam coisas hoje incompreensíveis como "entrar na internet". Sucessivas ondas de transformação digital, porém, unificaram a nossa experiência social. Já não há um "fora" da conexão digital; você, no máximo, modula o quanto ainda quer de vida desconectada e reza para dar certo.

Ora, se ambientes digitais oferecem hoje os recursos fundamentais para a interação, a integração e a informação, funções sociais decisivas, era de se esperar que novas linguagens surgissem e se consolidassem. Os memes, formas expressivas concisas, condensadas e que se fixam na memória coletiva, são parte da língua franca da era digital.

Assim como as sonoras lapidares eram um recurso precioso na era da televisão, as frases de efeito, os chistes e as tiradas espirituosas eram admirados na esfera pública aristocrática ou da alta burguesia.

Meme é um pouco disso tudo. Afinal, qualquer coisa pode ser um meme desde que seja capaz de se fixar na camada mais acessível da memória coletiva, de ser reconhecida e de comunicar de maneira rápida um conteúdo. Como uma sonora, o meme precisa ser facilmente replicável e reconhecido; como uma tirada, é bom que seja surpreendente e bem-humorado; como um chiste, convém ser irreverente, crítico.

Na ilustração de Ariel Severino a silhueta em preto e branco de um macaco com um grande osso na mão direita erguida. O macaco golpeia com fúria um monte de telefones celulares semi enterrados, quebrando os cristais de suas telas. A referência do macaco é o da famosa cena do filme “2001 - Uma Odisséia no Espaço” - de 1968 dirigido por Stanley Kubrick.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 28 de novembro de 2023 - Ariel Severino/Folhapress

Curiosamente, nesta semana, duas figuras públicas falaram de memes em campanhas políticas: um marqueteiro e um comentarista de política. A acreditar-se no título das reportagens, há uma singularidade. O marqueteiro, Sidônio Palmeira, é contra os memes. O comentarista, Merval Pereira, a favor.

Na verdade, a diferença entre Pereira e Palmeira é um pouco mais complicada. Merval, em O Globo, repercute uma entrevista de Pablo Nobel, o marqueteiro do argentino Milei, que diz dos memes que são a ponta de lança da comunicação eleitoral, vez que capturam a atenção dos jovens, dos menos politizados e menos engajados. Aliás, a mesma coisa que se dizia sobre usar redes sociais em campanhas desde os anos 2000. O elogio ao meme é novo, o discurso é velho.

Surpreende um pouco mais a posição de Sidônio, que revela considerável desconforto com o uso de memes em entrevista dada a Samuel Lima no Estadão. Os memes de arminha de Bolsonaro, da motosserra de Milei e da peruca de Nikolas Ferreira foram explicitamente mencionados, o "faz o L" de Lula não o foi, mas poderia ter sido. A questão para ele é que se usam memes "em vez de". Em vez de uma discussão política substantiva sobre temas.

Memes são uma forma de ganhar repercussão, cliques, acredita. "Isso termina simplificando, deixando muito raso o debate político". A contraposição entre a política com substância de antanho com a política de simulacro e aparências de hoje é um clássico nos estudos de comunicação eleitoral. Já se culpou por essa decadência a televisão, a sociedade do espetáculo e a internet. Parece que o meme sintetiza os culpados da vez.

O que parece incomodar Sidônio Palmeira é visto com um problema por todo mundo: as campanhas não têm ajudado as pessoas a discutir com profundidade as questões políticas. O diagnóstico de que isso tem a ver com o uso de memes e, ele acrescenta numa conjunção injustificada, fake news, é que se pode discutir. Sim, fake news não são um recurso legítimo, mas o que memes têm a ver com isso? E por que o mero recurso a memes tornaria os debates rasos? As campanhas precisam se esgotar neles?

Quando existiu essa campanha socrática em que oradores não precisavam de slogans, jingles, humor e outros recursos visuais, sonoros e conceituais para fixar uma identidade e uma ideia-chave na memória do eleitor? Por que na era dos palanques e na era da televisão nada disso era incompatível com uma campanha baseada em questões e na era digital passou a ser?

As campanhas não conseguem mais vender ideias e discutir seriamente problemas e soluções? Concordo.

O frenesi dos parlamentares para manter-se vistos e lembrados, sobretudo daqueles que usaram a sua presença digital para conseguir mandatos, é um problema que afeta seriamente as casas legislativas hoje em dia? Concedo. O uso de memes provoca algum desses efeitos? Certamente não. As causas devem estar em outro lugar.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.