Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Sob (e sobre) um vulcão

Longe de ser uma visão monótona, cada vez que olho descubro-o diferente

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No momento, uma nuvem não muito grande parece querer imitar a mancha da neve que cobre a cratera. Sua forma quase triangular termina em pontas como as placas brancas que escorrem congeladas em torno no vulcão Osorno. E minha única vontade é ficar olhando para ele por um tempo não determinado.

Estou de frente para esse monumento natural, hospedado em um dos hotéis com uma das vistas mais espetaculares que presenciei já neste mundo, e olha que posso falar isso. O Awa fica na beira do lago Llanquihue, na Patagônia chilena, com nada entre a janela do meu quarto —na verdade, uma parede inteira de vidro— e essa assustadora criação da natureza.

Maíra Mendes

Eu mesmo acho graça de chamar esse vulcão de assustador. Agora a nuvem que o corta se assemelha a uma lâmina fina, bem abaixo da camada de neve, e o Osorno parece mais uma vítima de um corte profundo. Pode o vapor ser mais poderoso do que uma rocha?

Só de observar essa paisagem minha mente sai por caminhos inesperados. É raro eu encontrar espaço para um exercício tão simples, e, ao mesmo tempo, que exige tanto esforço, como o da contemplação. Mesmo assim, cá estou eu admirando toda essa imponência.

O céu agora está um azul escandaloso. Mas, curiosamente, uma névoa parece abraçar toda a base do vulcão que, longe de passar a ideia de uma ameaça, parece simplesmente repousar sobre um enorme travesseiro macio.

Sua última erupção foi há quase 200 anos, em 1835. Segundo me informou o guia com quem explorei a região hoje pela manhã, ninguém menos que Charles Darwin teve o privilégio de ver sua lava regurgitada das profundezas da Terra.

Ele também me contou que seu ciclo vem a cada 150/200 anos, ou seja, outra cusparada quente pode vir a qualquer momento. Observando-o mais uma vez, só posso duvidar da geologia.

Seu topo agora está totalmente coberto, como se a própria atmosfera estivesse dando um recado para o Osorno se conter. Longe de ser uma visão monótona, cada vez que olho descubro-o diferente. E mais fascinante.

Lembro-me de uma exposição que vi no início de 2016, no Museu do Quai Branly, em Paris, sobre Masanao Abe, também conhecido como o Conde das Nuvens. 

Na primeira metade o século 20, este meteorologista japonês fez milhares de fotos do monte Fuji, com o qual o próprio Osorno muitas vezes é confundido.

O vulcão Osorno visto do lago de Todos os Santos, no Chile
O vulcão Osorno visto do lago de Todos os Santos, no Chile - Marina Della Valle/Folhapress

Na pequena galeria do Branly, dedicada a mostras especiais, as imagens de Abe pareciam repetidas vistas à distância. Mas observadas uma a uma, traziam belezas singulares. Como esse vulcão que tenho agora diante de mim.

Meus planos iniciais para hoje incluíram um passeio de bicicleta por essa região, que para muito além do Osorno e seus companheiros —o Calbuco e o Pontiagudo, visíveis com apenas um giro pelas redondezas— é também exuberante. Mesmo Llanquihue e seu vizinho, o Lago Todos los Santos, já valeriam a visita.

Mas aqui estou, hipnotizado por este panorama que parece se apresentar apenas para o deleite dos meus olhos. 

Como o Fuji de Abe, ele já mudou de novo. Agora a massa alva que o engolia parece ter ficado para trás do vulcão, confundindo-se com seu contorno claro, deixando visível apenas a forma da pedra descoberta, como se suas proporções tivessem diminuído.

O sol avança, novas sombras mudam o desenho do que assisto, e eu divago novamente. Arrisco uma leitura. Mas o Osorno não tarda a me reclamar. E agora ele está envolto em nuvens que só posso chamar de lúdicas, com formas tão imprevisíveis quanto uns borrões de Miró.

E o dia corre como se o relógio estivesse seguindo não seus ponteiros, mas o tempo geológico. Lento, muito lento. Indiferente a tudo menos à sedução de algo tão belo como o Osorno. Que, como diz a canção chamada justamente “Vulcán”, da banda El Robot Bajo El Água, quando não está em erupção...

“Se deja investigar / Se deja medir / Se deja habitar / Por lo demás / Se deja taladrar / Se deja roer / Se deja explotar...”

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