Conheço tão bem esse Brasil que é impossível olhar para a eleição deste domingo (2) e não me lembrar de cada pessoa incrível que conheci nas minhas andanças por este país. Mais: sinto tão forte cada brasileira e cada brasileiro que conheci nessas andanças que é como se neste momento eles vivessem todos dentro de mim.

Por isso é mais que justo que eu junte todas as vozes daqueles que querem viver no Brasil que sempre sonharam na minha própria. E use essa voz então para nos lembrar que, se esse sonho foi estupidamente interrompido nos últimos quatro anos, é agora que a gente retoma o projeto de um país maior. Nas urnas, com Lula.

Que eleitor é esse? De quem estou falando?

De mim mesmo, a sereia que dança, a destemida Iara, só para começar cantando Caetano (que também, prevejo, vai me ajudar a resumir tudo no final). Mas sou também o pescador de ostras em Galinhos (RN), o surfista da praia Rosa (SC), a quindinzeira de Palmas (TO), a menina que construiu uma piscina em forma de piano de cauda para homenagear seu pai pedreiro em Queimadas (PB).

Sou o menino que esquenta pinhões no fogão de lenha em Urupema (SC), no dia mais frio do ano. E o casal que namora no calor do píer do Parque Ambiental Encontro dos Rios, em Teresina (PI). Sou o escultor de colheres barrocas de Tiradentes (MG), o artesão que põe poesias em bancos de madeira na Ilha do Ferro (AL), o guia das cavernas de águas cristalinas de Bonito (MS).

Sou o garçom do restaurante das pedras semipreciosas em Ametista do Sul (RS), a motorista que me levou ao açude de Cafundó (PB), o homem que me trouxe um pirarucu na brasa em Manaus, os estudantes que cruzei no campus da minha cidade natal, Uberaba (MG).

O Ezequiel que me acorda com um café na xícara de ágata na Chapada dos Guimarães (MT), a Cândida que vende cocada na sua bicicleta em Feira de Santana (BA), as irmãs manauaras que entregam feijoada no balde para a capital do Amazonas, o chef amigo que prepara a carne de sol no Picuí de Maceió? Sou eu, sim.

Sou eu cruzando as estradas de Flecheiras a Jeri, na costa cearense; pegando o barco para chegar a Soure, no Marajó; pelas calçadas do bairro carioca de Botafogo; balançando docemente, como se estivesse apaixonado, na balsa que chega em Porto Seguro (BA); caminhando sozinho de madrugada pela Esplanada dos Ministérios em Brasília.

Está me vendo ali no ensaio da quadrilha em Caruaru (PE)? Ao lado da fogueira gigante de Campina Grande (PB)? Admirando a vista de Baía Formosa (RN)? Dando autógrafos num colégio em Rio Branco (AC)? Admirando os guarás se encontrando numa ilhota no delta do Parnaíba (PI)? Pode olhar de novo, eu estou lá.

Estou também na formatura de professoras do primeiro grau em Camela (PE); na inauguração do MAR, o Museu de Arte do Rio de Janeiro; nos bastidores da Virada Cultural em São Paulo; debaixo de um pé de cacau em Barreiras (BA); num vinhedo em Bento Gonçalves (RS).

E que ninguém se esqueça que estou no ensaio da apresentação de músicos paraenses no Municipal do Rio; na estreia do mineiríssimo Grupo Corpo em Beagá; no show de Elza Soares em João Pessoa (PB); no terceiro dia do Kuarup, no Xingu (MT); no carro alegórico da Mocidade Independente de Padre Miguel na Sapucaí; no bloco Eu Acho É Pouco, em Olinda (PE); no tapete vermelho de Gramado (RS); no luau de Luisa e os Alquimistas em Pipa (RN).

Estou na frente da Pedra Azul (ES), embaixo de uma cachoeira na Chapada dos Veadeiros (GO), em cima de um cânion em Capitólio (MG), deitado numa duna nos Lençóis Maranhenses, pisando na areia de Caraíva (BA), com a cabeça para fora do braço direito do Cristo Redentor admirando a baía de Guanabara.

Eu vejo o fiel que chega de joelhos a Belém (PA) para o Círio de Nazaré, a moça que acende uma vela na Igreja de São Francisco em Salvador (BA), os esperançosos no colo de Chico Xavier, os meninos finalizando o tapete colorido no Corpus Christi de Ouro Preto (MG), as pombagiras dos terreiros de umbanda.

Sou tudo eu. E sou muitos "eus". Somos nós que somam um eu. Seu olho me olha, não é, Caetano? Mas não me pode alcançar. Porque eu vejo, ando, canto, danço, gozo, mudo, vibro, pulo, tombo, subo, provo, benzo, falo, penso, tremo, bebo, parto, chego, rezo, rio, zelo, sinto, voto.

Meu som te cega, careta, quem é você?