Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Vida e morte e vida de um postal

Eu sabia da sensação que provoca a chegada de uma lembrança assim na caixa de correio

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Já me gabei mais de uma vez neste espaço de ser daqueles que ainda mandam cartão postal. Sei do prazer que meus amigos têm em ganhar breves linhas escritas a mão e um selo intrigante. Mas minha última viagem me fez repensar essa experiência.

Desta vez visitei três países que ainda não conhecia, subindo para 117 o número de carimbos no meu passaporte. E, como já é costume, mandei postais de cada um desses "novos" lugares para uma seleta lista de amigos.


Duas dessas postagens coletivas –estamos falando de 25 postais pelo menos em cada leva– foram feitas na Europa e uma, na África. Eu já sabia que retornaria para o Brasil antes de qualquer um deles chegar ao seu destinatário.

Dois cartões-postais que Zeca Camargo enviou a amigos no Brasil - Arquivo pessoal


Na melhor das hipóteses, os cartões que enviei de um destino muito popular com turistas, e por isso mesmo com um serviço de correios ligeiro, levaria ao menos três semanas viajando pelo planeta até chegarem aos endereços que marquei com meus garranchos. Calculei mal.

Cartão-postal enviado por Zeca Camargo - Arquivo pessoal


Dos que saíram da África, ainda nenhum sinal. Os do tal lugar bem turístico demoraram um mês para serem entregues. Os primeiros a serem enviados, da Europa do leste, chegaram ainda mais tarde: começaram a pipocar nas redes sociais só alguns dias atrás. E foi esse detalhe que me abriu uma reflexão.

Soube que esses cartões tinham chegado porque vi meus amigos postando fotos deles no Instagram. Inesperadamente, ver as mensagens pessoais que tinha escrito para pessoas queridas estampadas numa rede social me deu uma certa vertigem.

Cartão-postal enviado por Zeca Camargo a amigo no Brasil - Arquivo pessoal


Claro que a questão aqui não era a privacidade exposta. Divido com esses destinatários e destinatárias uma intimidade tão grande que torna isso irrelevante. Mas que foi estranho ver um item tão prosaico quanto um cartão postal ganhar uma dimensão infinita no mundo digital, isso foi. Foi também um renascimento.

Quando comecei a viajar nos anos 80, os postais ainda eram bastante comuns. Naquele tempo, passávamos horas escolhendo a imagem "perfeita" para mandar especificamente para alguém, e o valor dos selos era um item do orçamento da viagem.

Eu sabia a sensação especial que provocava a chegada de uma lembrança dessas numa caixa de correio –não virtual, mas real. Nos reencontros após a chegada, eles eram assunto e depois iam parar numa caixa de recordações.

Cartões-postais enviados por Zeca Camargo a amigos - Arquivo pessoal


Ao longo das décadas, a tradição parecia morrer: primeiro o e-mail e depois o WhatsApp substituíram com louvor (e rapidez!) as postagens físicas. Mas eu, teimosamente, sempre insistia em mandar os cartões, para dar um respiro no meio do mar de contas e malas diretas que se foram tornando quase as únicas entregas dos correios.

Ouvi amigos e amigas, durante o grande hiato da pandemia, lamentarem que estavam com saudades deles. Por isso, foi com gosto que retomei agora essa atividade.

Escrevi alguns no pátio de um mosteiro cristão ortodoxo do século 10. Outros de uma cidade medieval, hoje cenário de séries de sucesso. E mais alguns olhando hipopótamos pegando os últimos raios de sol nas costas antes de a noite chegar.

E, em cada um deles projetei, talvez com um romantismo exagerado, a alegria no rosto dos recipientes ao ter aquele pedaço de papel em mãos. Para tudo acabar num punhado de likes...

O que me deixou muito feliz! Os amigos que agora os postam, ou ainda, repostam, parecem fechar um ciclo moderno desse ritual, transformando, como a internet faz tão bem, um gesto pequeno numa enorme vitrine de carinho e conexão.

Que são exatamente as duas coisas que devem estar no seu coração quando você pega uma caneta para escrever: "Saudações de...".



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