Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

O que é exatamente um luxo?

Sentir-se bem tem mais a ver com as histórias que os hotéis te contam do que a ostentação

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Um dos lugares mais especiais em que já me hospedei tinha apenas dois quartos, de onde eu quase ouvia o rio São Francisco. Outro lugar incrível tinha uma cama do tempo da minha avó num bairro decadente em Buenos Aires.

E como era exuberante ficar na Pensão Londres, ao lado da praça do Príncipe Real, em Lisboa, com uma cortina separando a privada do resto do quarto! Ah, e o prazer de sentar na cadeira espartana, apoiar os braços numa mesa idem e olhar pela janela a natureza de Perche, na França.

Príncipe Real em Lisboa, Portugal - 19.04.2018 - Vitorino Coragem/Folhapress


A pedido da Folha, escrevi um outro texto sobre alguns dos hotéis mais icônicos do mundo, que inevitavelmente são também templos de luxo. Já fiquei em alguns deles, como conto, e fui muito bem tratado nas minhas estadias.

Mas será que foram minhas hospedagens mais inesquecíveis? Comecei a buscar na memória registros de pequenas férias em que me senti como um rei, bem longe de seu castelo, graças ao charme despretensioso de instalações simples.

O primeiro lugar que citei acima é a Casa da Estrelinha, na Ilha do Ferro, um distrito da cidade improvavelmente batizada de Pão de Açúcar, a três horas de carro de Maceió. Num estado famoso por seu litoral deslumbrante, encontrar tanta beleza longe do mar é uma surpresa a mais.

Claro que o São Francisco ali ajuda, mas os donos de Estrelinha, os artistas plásticos Dalton Costa e Maria Amélia Vieira, também donos da galeria Karandash, na capital alagoana, fizeram dessa casa um pequeno museu dos prazeres visuais.

Esqueça qualquer sensação claustrofóbica que a palavra "museu" possa trazer. Ali, a arte que ambos colecionam pelo Brasil nos envolve com aconchego e leveza. E se, por acaso, eles passarem a noite em um dos dois quartos de lá, pode contar com a melhor conversa até altas horas.

No Hotel Pop Boquitas Pintadas, que hoje fechou suas portas, mas brotou na capital argentina no auge da crise financeira do início dos anos 2000, essa atmosfera de sonhos era evocada pelos grandes espaços vazios e pela incomum escolha da mobília. Poucos funcionários eram vistos cruzando suas salas enormes, o que deixava tudo com um ar ao mesmo tempo fantasmagórico e envolvente.

O Boquitas também era parte galeria de arte, e ter circulado por lá quando San Telmo era uma área decrépita foi uma experiência surreal. Tanto quanto acordar no quarto praticamente vazio do D'Une Île.

Com um punhado de casas medievais, só nove quartos de paredes caiadas e móveis de segunda mão, o hotel em Perche é de uma simplicidade etérea. A única "ostentação" evidente é a cozinha, sempre local, assinada pelos proprietários do Septime, um dos restaurantes mais adorados de Paris.

E aí tem a Pensão Londres, onde eu ficava quando viajava sem grandes orçamentos. Naqueles leitos que rangiam, passei noites inesquecíveis com a trilha sonora do Bairro Alto, na capital portuguesa. Noites que dispensavam qualquer opulência e que por pouco não me faziam ignorar a cidade lá fora.

Ainda me lembro das paredes de bambu do My Dream, em Luang Prabang, no Laos. Os alojamentos reformados de um antigo colégio em Amsterdã. Uma cabana com quase nada no litoral vietnamita. Um albergue em Pucón, que olhava os vulcões chilenos.

Lugares assim me ajudaram a repensar o que é luxo em viagens. E me ensinaram que se sentir bem tem mais a ver com as historias que os hotéis te contam do que com a ostentação que muitas vezes é tão superficial quanto a aparente hospitalidade.

E você já pode imaginar onde eu prefiro me hospedar, mesmo que eu saia de lá sem ter nem um xampuzinho para roubar do banheiro...

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