Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo
Descrição de chapéu Olimpíadas 2024

Encantos inesperados de uma Paris silenciosa

Calmaria presenteia com uma cidade inusitada, sem filas e multidões

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Está tudo muito quieto. Estranhamente quieto. Nesses primeiros dias de Jogos Olímpicos, a coisa que mais me chamou a atenção pelas ruas de Paris foi essa quietude. E o silêncio.

Apenas algumas semanas atrás eu percebia uma outra vibração nas ruas, uma certa expectativa, ou ainda, um frisson. Mas bastou as competições começarem para essa atmosfera mudar inesperadamente.

O verão na cidade é sempre quieto. Os parisienses raiz não ousam passar os meses de julho e agosto por aqui e migram temporariamente para as praias, para o campo ou alhures. Tudo menos o calor de Paris!

Turistas sentados em frente ao Arco do Triunfo, em Paris
Turistas sentados em frente ao Arco do Triunfo, em Paris - Ben Stansall - 24.jul.2024/AFP

Mas desta vez parece que a debandada foi em massa, impulsionada não apenas pelos preços dos serviços, que de certa maneira aumentaram, mas também para evitar o confronto com a horda de turistas desavisados.

Essa debandada geral talvez ainda seja motivo de muito estudo para quem acompanha os fluxos de turistas pelo mundo. Mas mesmo antes de tentar entendê-la eu achei por bem saboreá-la.

Boa parte dos cafés que costumo frequentar estão às moscas. Tomar um expresso duplo na Maison Plisson, ali no Boulevard Beaumarchais, por exemplo, nunca foi tão fácil. Idem para conseguir uma mesa para almoçar no geralmente disputadíssimo Recoin.

Caminhando hoje mesmo pela rue de Charonne, na Bastilha, eu tive a impressão de que muitas lojas estavam fechadas de tão silenciosa que estava a calçada. Estavam apenas vazias.

Não tive muito tempo de ir a museus nesses dias olímpicos, mas só de passar em frente ao Centro Pompidou, pude perceber que o movimento está fraco. As entradas, sempre com filas, recebiam poucos visitantes.

E mesmo a moderna pista de skate instalada no grande espaço em frente ao museu não me pareceu disputada. O enorme painel de LED que cobre pela primeira vez a fachada icônica iluminava não multidões, mas poucos e esparsos casais que por ali passavam.

Tenho andado mais pelas ruas do que pelas calçadas e tenho ouvido eventualmente mais inglês do que francês, nas lojas e restaurantes principalmente —e esse é meu único desgosto de perceber Paris tão vazia.

De resto tenho aproveitado para passear. Estou indo a vários jogos e competições também, da natação ao futebol, do tênis (em Roland Garros!) ao vôlei de praia (no Campo de Marte, com vista para a Torre Eiffel!). Mas há tempo de sobra para flanar.

Achei que o corretor automático iria me reprimir por usar este verbo acima, mas para minha (boa) surpresa, essa criação tão francesa teve sua tradução para o português bem aceita. Respirei aliviado porque não há maneira melhor de descrever essa vocação de andar sem rumo.

Tenho andado pelas laterais do rio Sena, muitas vezes sozinho num cais. O canal Saint Martin me recebe com desconcertante tranquilidade. E mesmo os trajetos de metrô têm sido tranquilos.

Os percursos que te levam a um disputado destino de uma partida ou disputa podem até parecer cheios, mas já peguei vagões bem mais lotados em horários de pico durante uma semana qualquer. Tudo parece estar calmo.

E essa calmaria nos presenteia com uma Paris inusitada. Passear pelos arredores da rue Buci, em Saint Germain, sem ser atordoado por uma turba é algo que devemos saborear tanto quanto um sorvete Berthillon na ilha de Saint Louis —aliás, consegui tomar um outro dia sem ter que esperar uma eternidade para ser atendido.

E por mais deslocada da realidade que essa Paris de agora se apresente, tenho que admitir que estou adorando me deslocar por ela. Na maioria das vezes sem um destino certo.

O contraste entre as massas que vão às competições e as ruas vazias inicialmente parece brutal. Mas é só mais um truque desta cidade que nunca cansa de nos fascinar.

E que agora fez com que eu me apaixonasse inesperadamente pelo seu silêncio.

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