Descrição de chapéu

Nessa greve fica difícil resistir ao pânico com apocalipse do WhatsApp

Acreditar em qualquer rumor ou naquele que desconfia das fake news?

Marcella Franco
São Paulo

O relógio da cozinha marca 15h, e, pela previsão, neste exato momento meu filho está cercado por uma legião de manifestantes nefastos no centro de São Paulo, por carros imóveis sem combustível, cidadãos revoltados com o rumo que as coisas tomaram neste país. Ele não é a única vítima. Há, ao seu lado, pelas minhas contas, outras 159 crianças da mesma idade, algo entre nove e dez anos de idade. Pelo menos não vai morrer sozinho.

Ou isso, ou o passeio agendado pelo colégio para a tarde desta quinta-feira está correndo dentro dos conformes, com todo mundo vivo e fazendo estudo do meio para depois tentar passar na prova de história. E você, de que lado do Grupo de Mães do WhatsApp está? Naquele que acredita em qualquer rumor que compartilham ou no que desconfia das fake news? No time das Mães-Datena ou no das Mães-Encontro-Com-Fátima-Bernardes?

Por mais pessimista que seja, do tipo que leva desfibrilador para o fim de semana na casa de campo, tomei a decisão de, depois de virar mãe, contaminar o mínimo possível meus filhos com a nuvem de desconfiança. Não ser aquela que fala “Vai dar merda”, e sim a que diz “Imagina se pega no olho”, e isso só depois que já está todo mundo sangrando a caminho do pronto-socorro.

Fica mais difícil ainda resistir ao pânico quando o universo à sua volta já está se armando para o apocalipse zumbi. Nesta quinta-feira, por exemplo, quando o climão começou e ainda era ontem. Segura essas 75 notificações do Whatsapp do 4º ano no breve período em que você se ausentou para lavar uma louça. Áudios, drama, comoção.

Um parágrafo copiado e colado às nove da noite convocava todos os brasileiros a “fazer como a Alemanha” – pensei primeiro no 7x1, mas não faria sentido organizar uma goleada entre mães. Segui lendo. “Mostrar para essa cambada de políticos que não seremos palhaços”, continuava o texto, assinado por um anônimo: “Repassem urgente”. Pra mim, deu.

Como todo jornalista, carrego no peito a mania de, além de chafurdar no cheque especial todo mês, também checar fontes de tudo que me chega às mãos, de rótulo de produto a até esse artigo tão fora de moda que é a notícia apurada. Se há uma coisa que me dá urticária, é fake news replicado sem pudor. Neste caso, pior ainda, pelo fato de que o boicote ao passeio envolvia crianças que, havia meses, vomitavam de ansiedade e expectativa.

Na vida, a gente aprende que, por mais vontade que se tenha, não dá para controlar muita coisa no mundo. Depois que a gente tem filho, então, a gente vê que não dá para controlar é absolutamente nada. Óbvio que é papel de quem cria seres humanos zelar pelo seu bem e segurança. Mas, viver na ilusão de que dá para proteger de tudo –inclusive do que nem existe– é pura ousadia e delírio.

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