Spray de pimenta pode gerar dano permanente a guardas, dizem médicos

GCM diz que teste em agentes de São Paulo visa conhecer efeitos do produto

Guarda de SP sofre com efeito de gás de pimenta
Guarda de SP sofre com efeito de gás de pimenta - Reprodução
São Paulo

Os testes de spray de pimenta nos olhos dos próprios agentes feito pela Guarda Civil Municipal de São Paulo podem causar dano permanente nos alvos. Essa é a análise de oftalmologistas consultados pela Folha nesta quinta-feira (14).

Vídeo obtido pela reportagem mostra os guardas sofrendo com os efeitos do produto. Após alguns minutos, um deles não suporta e pede para sair da sala.

As imagens contêm um membro da Inspetoria de Operações Especiais (Iope), grupo especial da GCM, disparando forte carga de spray nos olhos de sete guardas, que estão enfileirados. As especificações do produto dizem que o alcance varia de 1,5 m a 5 m, a depender do modelo. No entanto, os jatos são atirados a poucos centímetros dos olhos dos guardas.

Segundo o oftalmologista Emerson Castro, doutor pela USP que tem estudado o traumatismo ocular no contexto de manifestações, trata-se de uma "péssima ideia" realizar os testes dessa forma.

"Há vários relatos de problemas oculares relacionados ao spray de pimenta. Existem reações diferentes ao produto. Há pessoas que têm apenas uma irritação e que depois passa. Há quem tenha condições pré-existentes e que então pode desenvolver úlceras na córnea, lesões. E mesmo quem tem uma reação inicialmente leve pode desenvolver problemas mais graves, já que a irritação deriva do rompimento de uma barreira de proteção dos olhos, que então fica mais frágil à ação de bactérias e vírus", afirma.

Segundo Castro, é pouco provável que lesões permanentes como opacidade ou neovascularização da córnea levem à perda total de visão, mas pode acontecer uma redução da capacidade de enxergar.

O oftalmologista Paulo Schor, chefe do departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), rebate quem afirma que os efeitos não são graves.

"Há lesão. Há interação química entre o produto e a superfície do olho. O efeito pode ser mais leve ou mais profundo. Se já existir alguma condição subjacente à pessoa, como o uso de lentes ou uma cirurgia anterior, algo mais grave pode acontecer, como opacidade da córnea ou necrose do tecido", diz.

"A pimenta tem capsaicina, que quebra células onde elas fazem ligação e leva à morte delas. O uso indiscriminado do spray pode fragilizar os olhos, modificar os tecidos, criando-se condição para que microorganismos se desenvolvam em locais onde isso não deveria acontecer", completa. Segundo ele, em quadros extremamente raros pode ser necessário até mesmo um transplante de córneas.

Para Milton Ruiz Alves, professor do departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), trata-se de um teste "completamente fora de esquadro".

"Pode desencadear uma úlcera nos olhos, uma lesão permanente. É como os testes de alergia que eram feitos em animais, que faziam mal a eles e que foram abolidos depois de muita mobilização da sociedade. É o que deveria acontecer agora também. Não se joga spray nos olhos das pessoas", diz.

Em nota, a Guarda Civil Metropolitana informa que "as imagens apresentadas fazem parte de um curso de 40 horas ministrado pelo ​Iope (Inspetoria de Operações Especiais), devidamente credenciado e com o aval da Academia de Formação em Segurança Urbana da Guarda Civil Metropolitana. O curso contém aulas teóricas, como noções de Direito Penal e de Direitos Humanos, e também conta com aulas práticas."

"Os GCMs que estão participando do curso são voluntários, e seus capacitadores foram devidamente treinados na empresa para utilizar os espargiadores individuais, modelo GL 108 E, cujo princípio ativo de capsaicina natural, um composto de gás de pimenta e espuma, perde seus efeitos imediatamente quando em contato com água. A finalidade é conhecer os efeitos do produto para uma utilização mais adequada quando necessário. É importante ressaltar que os instrutores são capacitados pela empresa Condor, que possui o aval do Exercito Brasileiro para comercialização do produto", completa.

A atual gestão municipal, iniciada por João Doria (PSDB) e assumida por Bruno Covas (PSDB), já se envolveu em outras polêmicas envolvendo a GCM.

Em setembro do ano passado, Doria tentou renomear a GCM, que passaria a se chamar “polícia municipal”. O prefeito chegou a posar para fotos com veículos envelopados com a nova marca, mas a Justiça o proibiu de fazer a mudança de nome.

Em março de 2018, reportagem da Folha mostrou que o comandante-geral da GCM, Carlos Alexandre Braga, nomeado por Doria, é réu sob a acusação de desvio de dinheiro público e falsificação e uso de documento público falso. Braga foi afastado da função, mas voltou ao cargo posteriormente.

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