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Galerias de grafite se espalham pela periferia de SP e recebem turistas

Grupos recebem convidados e marcam visitações; tinta dá nova cara a bairros

Grafite na Vila Flávia, em São Mateus, zona leste de São Paulo
Grafite na Vila Flávia, em São Mateus, zona leste de São Paulo - Robson Ventura/Folhapress
William Cardoso
São Paulo | Agora

​Muito além do Beco do Batman na Vila Madalena, zona oeste da capital paulista, grandes galerias de grafite se espalharam pela periferia da cidade e pela Grande São Paulo, abertas à visitação e à curiosidade de paulistanos e estrangeiros. Ao menos cinco pontos se destacam em meio à explosão de criatividade que transformou São Paulo em referência na arte de rua.

Muros, becos e vielas que mal tinham tinta ganharam vida com spray e talento na Vila Flávia, em São Mateus (zona leste). A Favela Galeria se espalha por quadras, contorna um córrego antes abandonado pelo poder público e dá nova cara ao bairro com os desenhos de grupos como OPNI e Sociedade Fantoche. São cerca de 250 obras.

Integrante do OPNI e do Sociedade Fantoche, Randal Bone diz que, além das obras nos muros, o legado do grupo também está em ensinar arte para crianças.

A zona leste tem também o Barro Bronx, um conjunto de travessas grafitadas no Conjunto Habitacional Barro Branco, em Cidade Tiradentes. Quem cuida do espaço são os artistas do OTM (Operação Tinta no Muro), que recebem convidados e organizam um cronograma de visitação. 

"O trajeto é grande, leva pelo menos uns 30 minutos para conhecer tudo", diz Nojon, integrante da "crew" (tripulação, em inglês, nome dado aos grupos no grafite). "Nos bairros mais afastados a cultura prevalece de forma viva", diz.

A zona norte tem grupos como Taipaz, que usam seus sprays no bairro de Parada de Taipas. Do outro lado da capital, na zona sul, destaca-se o grupo Imargem, que tem no Grajaú um dos cenários para suas intervenções artísticas. 

As ações vão além do grafite. "Trabalhamos como iniciativa pedagógica, vivência e roteiro sociocultural", afirma Annibal Lima, um dos integrantes. "As pessoas sempre pensam nos Gêmeos, no Kobra, mas há pelo menos uns dez artistas tão bons quanto eles. Não temos mais a [avenida] 23 de Maio, mas São Paulo tem muitos pontos de grafite espalhados por aí", diz.

A polêmica sobre a tinta cinza jogada por João Doria (PSDB) em grafites da avenida 23 de Maio, em 2017, é vista por Binho Ribeiro, um dos pioneiros da arte, como algo que serviu para promover uma discussão na sociedade . 

Naquele ano, a prefeitura iniciou o plantio de um muro verde onde antes havia grafite. 

"Passado aquele momento, abriu-se uma possibilidade de diálogo com um grupo que estava programado a impor, não a dialogar", afirma Binho, que começou a graffitar em 1984. "Conseguimos criar um edital do qual hoje centenas de grafiteiros vêm usufruindo." 

Segundo Binho, apesar das polêmicas, o país ainda conta com um cenário amigável em relação ao grafite. "Conquistas que temos no Brasil são referência no mundo inteiro. Muitos estrangeiros ficam boquiabertos com o que temos aqui", diz. "Nos Estados Unidos, já houve caso de exposição cancelada pelo governo por ser vista como apologia ao crime", afirma. Binho é também organizador da Bienal de Grafite, que ocorrerá em outubro na capital.

No fim de julho, mais de 60 artistas brasileiros e de fora do país se reuniram no 1º Festival Internacional de Grafite de Caieiras (Grande SP). O resultado foi uma coleção de obras de arte espalhadas no entorno do estádio municipal. 

Para o grafiteiro Bonga, que participou do festival, sai na frente quem enxerga o grafite como oportunidade de turismo e negócios. Mas não é só isso. "Num processo de intolerância, o grafite consegue conectar as pessoas para além das fronteiras."

Bonga é autor, ao lado de Tamires Santana, do livro "Tinta Loka Street Book", que catalogou dezenas de intervenções em cidades do estado de São Paulo e já é referência na arte.

Na Vila Flávia, em São Mateus, muitos veem como privilégio e motivo de orgulho ter uma parede ou a fachada de casa pintada por um dos artistas locais.

A porteira Rosemary Santos, 46, mora em uma viela de frente para um córrego que cruza a rua Luiz Giudice. O local antes era abandonado. 

"O colorido transformou tudo. Fizeram um trabalho muito bonito e tenho até um jardim na frente de casa. É uma novidade que trouxe melhoria para a gente", afirma.

No local, moradores são beneficiados pelo turismo e também têm a oportunidade de ganhar um dinheiro extra ao vender lanches durante as visitas monitoradas.

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