Delegado contradiz empresário sobre confronto de policiais em Juiz de Fora

Agente diz que empresário viu dinheiro no porta-malas e quis prosseguir negócio; veja vídeo

Rogério Pagnan
São Paulo

O delegado paulista Rodrigo Castro Salgado, um dos quatro policiais presos em Juiz de Fora (MG) sob a suspeita de participação do confronto na última sexta (19) que deixou dois mortos e um ferido, apresentou à Justiça de Minas Gerais versão que contradiz o depoimento de empresário dado à polícia de São Paulo sobre os detalhes dos momentos antes do confronto.

Em depoimento à Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo na última segunda (22), o empresário Flávio de Souza Guimarães, um dos envolvidos em negociação de R$ 14 milhões em dinheiro falso, disse que desistiu do negócio tão logo viu a enorme quantidade de dinheiro em espécie no porta malas de um carro, e teria ficado assustado, por não ser aquele o combinado.

“Antonio [Vilela] passou a insistir no negócio, o que foi recusado pelo declarante, sob o argumento de que não fora aquele o combinado contratualmente, entrando em pânico".

Guimarães disse que neste momento foi impedido de deixar o local por um dos negociantes mineiros, sendo, então, necessária a intervenção de seguranças. Estavam todos no estacionamento anexo a um hospital de Juiz de Fora.

Pela versão apresentada pelo delegado de São Paulo, integrante de um grupo de operações especiais na capital paulista, o empresário não entrou em pânico quando viu o dinheiro em espécie, como alega o outro, mas argumentou que as tratativas seguiriam em frente.

“Aí abriu, rasgou, e começou a mostrar ao ‘Vip’ [Guimarães] as notas. [...] Aí, o ‘Vip’ falou: não, não... então, vamos fechar o contrato’”, disse o delegado durante audiência de custódia, no último domingo (21), que transformou o flagrante em prisão preventiva.

Na sequência, o empresário paulista teria determinado que os seguranças esperassem no local, para que o negócio foi finalizado. “Ele disse: esperam um pouco aí. Aí, o Vip saiu.”

Foi então, neste momento, que um dos empresários mineiros teria dito que as cédulas teriam chegado até ali de “Brink’s”, referência à empresa de transporte.

“O Jerônimo achou estranho: ‘não, não, isso é golpe”, disse o policial, querendo ligar para o empresário Guimarães para avisar sobre o ocorrido.

O empresário Jerônimo da Silva Leal Júnior, dono de uma empresa de segurança e citado pelo delegado no depoimento, foi baleado nessa ação, e morreu na última quinta (25), após ficar internado em estado grave em Juiz de Fora.

Além dele, também foi baleado o policial mineiro Rodrigo Francisco, que morreu no local. As circunstâncias da morte desse policial mineiro são investigadas, mas, inicialmente, os disparos foram atribuídos a Jerônimo, nesse confronto.

A polícia também investiga o destino dos R$ 14 milhões que estavam sendo negociados.

Uma das principais linhas de investigação da polícia é uma possível utilização para abastecimento de caixa 2 de campanhas políticas.

Também é apurado se Guimarães levou dólares para serem trocados por reais. Nenhum tipo de moeda estrangeira foi apreendido na ocasião.

O empresário disse que foi até Minas para tentar realizar um empréstimo financeiro, mas acabou vítima de um golpe. Ele nega que tenha levado dólares ou que seja “doleiro”.

O advogado dele, André Maurício Marques Martins, disse que o delegado está equivocado sobre aquilo que ouviu. “Meu cliente disse: não, não. Não vamos fechar o negócio. Meu cliente não tinha interesse de fechar o negócio dessa forma”, disse. “O delegado interpretou a fala do meu cliente de forma equivocada”, disse.

Ainda segundo o representante, o suposto estelionatário mineiro teria informado que o dinheiro estaria em uma empresa de valores e, esse sim, enviaria o dinheiro combinado. "Por conta do nervosismo lá, interpreta-se muita coisa de forma errada", disse.

Segundo a Folha apurou, a cúpula da Segurança Pública não acredita nessa versão de empréstimo.

Sobre a participação dos policiais, para a cúpula da Segurança, não seriam pessoas envolvidas em casos de corrupção, embora os bicos de segurança na instituição sejam considerados irregulares. Cada um receberia R$ 1.500 para fazer a escolta do empresário para Minas, onde participaria de uma reunião.

O que deve definir o futuro dos policiais na instituição é se eles tinham ou não ciência das ações eventualmente criminosas que Guimarães praticaria na cidade. Se, por exemplo, estaria levando dólares para serem "lavados".

As apurações conduzidas pela polícia mineira indicam até agora que as malas de dinheiro seriam transportadas para São Paulo, mas só não foram porque, durante a negociação, os empresários paulistas desconfiaram de golpe –de que parte do dinheiro (notas de R$ 100) era falsa. Isso deu início à troca de tiros, já que policiais civis de Minas Gerais acompanhavam o empresário Vilela.

Nesta última terça (23), a Ouvidoria da Polícia encaminhou à Superintendência da Polícia Federal pedido para que a instituição acompanhe o caso por envolver policiais de dois estados e suspeitas de crimes graves, como homicídio, lavagem de dinheiro, prevaricação, estelionato e organização criminosa.

"Entendemos que, pela complexidade desta ocorrência, é fundamental o acompanhamento da Polícia Federal", diz ofício assinado pelo ouvidor, Benedito Mariano.

Nesta sexta (26), a Polícia Federal de Minas informou não ter recebido ordem para assumir o caso.

ENTENDA O CASO

Escolta Nove policiais civis de São Paulo, entre eles dois delegados, foram contratados para escoltar três empresários paulistas durante negociação em Juiz de Fora (MG). Eles receberiam R$ 1.500 pelo serviço

Negociação Na sexta (19), em um hotel da cidade mineira, os empresários paulistas iniciaram uma negociação com o mineiro Antonio Vilela. A suspeita é que os paulistas tinham ido negociar dólares.

O empresário nega essa versão, dizendo que tentava um empréstimo e que Antonio usou nome falso.

Pagamento Mais tarde, Vilela, os empresários e quatro policiais paulistas foram até o estacionamento de um hospital, onde uma transação envolvendo R$ 14 milhões seria finalizada. Lá também estavam policiais mineiros, que, suspeita-se, fariam a escolta de Vilela

Notas falsas Segundo a investigação, os paulistas teriam descoberto que notas de real usadas no pagamento eram falsas. Isso teria dado início ao tiroteio

Feridos Três pessoas foram baleadas: o mineiro Vilela, que já teve alta do hospital; o empresário paulista Jerônimo Jr., que morreu no hospital na quinta-feira (25); e o policial mineiro Rodrigo Francisco, que morreu no local

Retorno Cinco dos nove policiais civis retornaram a São Paulo antes da ação que resultou no tiroteio. Eles não foram presos, mas estão sendo investigados, já que a transação de dinheiro é considera ilegal

Presos Foram presos os quatro policiais paulistas que estavam presentes no tiroteio e Vilela. Jerônimo Jr., que morreu, estava internado sob custódia policial pelo homicídio do agente mineiro

Investigados O doleiro paulista Flávio Guimarães está em liberdade, mas não pode deixar o país. Os quatro policiais mineiros e o empresário paulista Roberto Uyvare Jr. também são investigados

Apreensão As malas com R$ 14 mi em dinheiro, que seriam de Vilela, foram apreendidas pela polícia de MG. Não foram encontrados dólares

QUEM ESTÁ PRESO

  • Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, investigador da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro 
  • Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, investigador da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro  
  • Bruno Martins Magalhães Alves, delegado da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro 
  • Rodrigo Castro Salgado da Costa, delegado da Polícia Civil de SP, por lavagem de dinheiro 
  • Antônio Vilela, empresário mineiro, por estelionato

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