Transferência de Marcola e outros chefes do PCC divide Segurança em SP

Integrantes da PM e da Promotoria querem ida a presídios federais; secretários resistem

Rogério Pagnan
São Paulo

A possível transferência de integrantes do PCC de uma penitenciária estadual do interior de São Paulo para presídios federais, devido à descoberta de um plano de resgate de chefões da facção criminosa, provocou uma divisão entre as forças de combate ao crime organizado.

Há uma tensão entre grupos que defendem remanejar os presos para fora do estado e os que são contra essa medida por temerem represálias do crime, já que no topo desta lista estaria Marco Willians Herbas  Camacho, conhecido como Marcola e considerado principal chefe da facção.

O estudo para a remoção de 15 presos da chefia do PCC começou a ser feito no mês passado, quando equipes de inteligência do governo Márcio França (PSB) detectaram um possível plano de resgate de Marcola e de outros comparsas dele, todos confinados na penitenciária 2 de Presidente Venceslau.

O secretário da Administração Penitenciária, Lourival Gomes, que sempre se manifestou contrário à transferência dos chefões do PCC para presídios federais, concordou inicialmente em pedir à Justiça essa remoção, segundo a Folha apurou. Em seguida, porém, acabou demovido dessa intenção.

O recuo, que teria aval do secretário da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, contrariou integrantes do Ministério Público e da Polícia Militar, que defendem a transferência imediata dos presos em razão do grande esforço e recursos empregados pela PM para evitar as tentativas de resgate.

Eles argumentam que São Paulo não pode ficar refém de um criminoso como Marcola e que demonstrações de medo levaram ao crescimento do crime organizado.

O plano de resgate detectado no mês passado seria apenas um de uma série já descoberta pelos serviços de inteligência do governo paulista anteriormente.

O grupo que defende a transferência diz que ela se tornou premente porque há possibilidade real de uma ação criminosa para resgate de presos, tanto que, afirmam, foi enviado pelo governo paulista um efetivo jamais visto em Presidente Venceslau, incluindo quase todo o efetivo da Rota e do COE (operações especiais), além do uso de armas de guerra emprestadas pelo Exército.

Um indicativo de que o plano não teria sido abortado pelos criminosos seria a presença de drones flagrados sobrevoando a região do presídio, além de disparos de arma com rastro de fogo, chamados de traçantes, característicos de tiros de fuzil.

Policiais militares de SP recebem treinamento do Exército para utilização de metralhadoras calibre .50 - Reprodução

Os defensores da transferência de Marcola argumentam ainda que, além de ser custoso para os cofres do estado manter um efetivo tão grande no interior, também há risco de desmoralização das forças de segurança caso o plano dos criminosos, mesmo com tal aparato, dê certo.

Marcola está preso em São Paulo há quase 20 anos e continua cumprindo uma pena superior a 300 anos, por uma série de roubos, além de crimes ligados ao comando do PCC.

Integrantes do grupo que são contrários à transferência defendem que mandar os criminosos do PCC para presídios federais demonstraria uma fragilidade de São Paulo e dificuldades de resolver um problema com origem nos próprios presídios paulistas.

Esse grupo também vê risco de essa transferência desencadear outra megarrebelião, como a ocorrida no início dos anos 2000, e ataques às forças de segurança, como em 2006. Seria uma decisão complicada e, assim, melhor deixá-la para ser resolvida por João Doria (PSDB), governador recém-eleito, no início de 2019.

Na semana passada, o governador Márcio França (PSB) disse à Folha que não havia falado sobre transferência de Marcola com os secretários da Segurança e da Administração Penitenciária, mas que o faria.

Na tarde desta terça (6), França se reuniu com os dois, mas o teor do assunto não foi divulgado. Segundo a Folha apurou, eles teriam decidido não pedir a transferência por enquanto. 

Também nesta terça, o deputado federal e senador eleito Major Olímpio (PSL) encaminhou ofício ao procurador-geral de Justiça,  Gianpaolo Poggio Smanio, para que ele peça as transferências do chefes do PCC. "Para que haja desarticulação da ação idealizada, enfraquecimento do crime organizado e preservação de vidas."

Também foi o parlamentar que enviou ao governador e aos comandos do Exército e Aeronáutica detalhes do suposto plano de resgate de chefões do PCC, que inclui até um exército de mercenários.

"Desafio o secretário a mostrar de onde tirou informações de que há possibilidade de retaliação por parte dos presos. O estado não pode se prostrar diante de um criminoso", disse Olímpio à Folha.

No país existem cinco prisões federais espalhadas pelo país (Porto Velho/RO, Mossoró/RN, Campo Grande/MS, Catanduvas/PR e Brasília/DF), que foram projetadas para evitar fugas, incluindo obstáculos para inibir tentativas de resgates.

Um diferencial das unidades federais é haver um maior isolamento dos presos, com celas individuais, restrição de visita íntimas (em algumas unidades) assim como proibição a TVs, jornais e revistas. O acesso a familiares e advogados é monitorado.

Em São Paulo, o sistema parecido é o do RDD (regime disciplinar diferenciado).

Para envio de um preso ao sistema, um decreto federal estipula alguns requisitos, como pertencer a organização criminosa e quando houver risco, como é o caso dos presos do PCC em São Paulo. A determinação é feita por juiz estadual, que solicita vaga ao governo federal.

ARMAS DE GUERRA

Em meio à ameaça de resgate de chefes do PCC, equipes da Rota, tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, estão recebendo treinamento desde a semana passada para o uso de armamento de guerra em operação no interior do estado.

Dois tipos de armas são utilizadas nos treinos: metralhadoras calibre .50, que são capazes de derrubar aeronaves, e metralhadoras MAG 7.62, também de grande poder de destruição por funcionar em modo rajada de disparos.

O treinamento da tropa está sendo ministrado por homens do Exército, por determinação do Comando Militar Sudeste, que também cedeu o armamento para ser empregado na operação em Presidente Venceslau, conforme solicitada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

Procurado pela Folha, o secretário da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, disse não poder dar detalhes da utilização do armamento por fazer parte de informações estratégicas de segurança.

As metralhadoras já estão sendo empregadas no interior paulista desde o final de semana. O número exato dessas armas também não foi informado pelo Exército e nem pela PM, mas estima-se que sejam cerca de dez.

O uso desse tipo de armamento é importante na operação realizada no interior porque, segundo o plano descoberto pelo governo, a facção criminosa teria contratado um grupo de mercenários internacionais para resgatar a cúpula presa em Presidente Venceslau. Para a ação estaria previsto o uso de dois helicópteros de guerra.

Embora descoberto, o plano ainda não teria sido abortado pelos criminosos. O principal alvo do resgate seria Marcola. No entanto, a quantidade de presos que poderiam ser resgatados é imprevisível.

A Penitenciária 2 de Venceslau tem capacidade para 1.280 detentos, mas, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária, tem atualmente 804.

Tanto a metralhadora calibre .50 quanto a MAG calibre 7.62 são armas de uso restrito às Forças Armadas para utilização em guerras. A PM paulista não possui esse armamento e nem autorização para comprá-lo.

GARANTIA DA SEGURANÇA

Na semana passada, a Secretaria da Segurança Pública confirmou a solicitação de apoio às tropas da PM empregadas em Presidente Venceslau. “As medidas têm como objetivo garantir a segurança dos presos que estão em unidades prisionais, agentes públicos, assim como da população da região.”

“Salienta ainda que conta com o apoio e suporte logístico do Exército Brasileiro, sem envolvimento de efetivo. Por questões de estratégia e segurança mais detalhes não serão passados”, disse em nota.

No início do mês, ao ser procurado pela Folha, o governo paulista disse que as operações eram de rotina para treinamento de pessoal da região do estado.

O pedido de ajuda do governo paulista para combate ao PCC é incomum, ao contrário do que acontece no Rio de Janeiro. Nem mesmo em 2006, quando as forças de segurança paulistas foram atacadas pela facção, o governo paulista aceitou ajuda federal. Disse considerá-la desnecessária porque as polícias do estado seriam capazes de enfrentar o problema.

Agora, segundo o governador Márcio França (PSB), a ajuda é bem-vinda. "Sou a favor de toda e qualquer ajuda federal", disse à reportagem na semana passada. "O Exército Brasileiro tem como função subsidiária auxiliar os estados na segurança pública. Acho bom isso, sempre nos apoiam. Temos ótimo relacionamento."

AEROPORTO FECHADO

A possibilidade desse resgate de presos levou a Justiça de Presidente Venceslau a interditar, desde o início do mês passado, o aeroporto da cidade. "Há enorme preocupação com o aeroporto municipal, pois [fica] muito próximo ao estabelecimento prisional, permitindo logística para atuação de referida organização criminosa", diz despacho do juiz. “A medida se mostra absolutamente necessária, pois evitará problemática maior.”

A interdição, que deveria ter terminado no final do mês, foi prorrogada por mais 10 dias.

As medidas de fechamento do aeroporto e envio de maior efetivo ao oeste do estado foram tomadas após os setores de inteligência da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) detectarem as intenções de fuga dos criminosos.

A secretaria também descobriu que os detentos planejam uma rebelião no presídio para que, ao mesmo tempo, criminosos do lado de fora tentem romper os muros da penitenciária.

Criminosos pretendem ainda usar metralhadoras .50 para impedir os policiais de sair dos quartéis e os helicópteros da PM de levantarem voo, como já teria ocorrido em Araraquara e Bauru em outras ações do tipo.

Eles usariam explosivos para destruir as torres de vigilância dos presídios. Também queimariam veículos para impedir o acesso nesses locais, outra tática comum.

Em junho deste ano os setores de inteligência da PM e da SAP já tinham detectado um outro plano de resgate de integrantes do PCC na mesma unidade prisional —atribuído ao preso Célio Marcelo da Silva, o Bin Laden, um dos chefes da facção e também preso em Venceslau.

Naquele plano a ideia dos criminosos era usar um caminhão guincho, grande e pesado, preparado com chapas de aço. A proteção serviria para resistir a tiros da polícia e, ao mesmo tempo, ajudar a derrubar os muros da prisão. O veículo teria janelas para tiros contra as forças de segurança.

Em 2014, o governo paulista detectou outro suposto esquema para o resgate de Marcola e mais três comparsas. Os criminosos planejavam utilizar dois helicópteros blindados, camuflados com as cores das aeronaves da Polícia Militar, para pousar no presídio e tirá-los de lá com o uso de uma cesta de resgate.

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