Defesa afirma que prisão de João de Deus é ilegal e injusta

Advogados dizem que apenas alguns depoimentos, de poucas vítimas, acompanham o pedido

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São Paulo

A defesa de João de Deus, 76, disse que a ordem de prisão preventiva do médium é “ilegal e injusta” e que vai impetrar habeas corpus contra a decisão judicial.

Segundo os advogados de João de Deus, “apenas alguns depoimentos, de poucas vítimas, acompanham o pedido de prisão preventiva, ainda assim, sem os seus nomes”.

Ainda segundo a defesa, a impetração do habeas corpus não excluiria a apresentação espontânea do médium.

Após dezenas de relatos de mulheres, a Promotoria chegou a criar uma força-tarefa para recolher denúncias das supostas vítimas e diz já ter recebido 335 contatos, com mensagens principalmente por email, incluindo também outros seis países (Alemanha, Austrália, Bélgica, Bolívia, Estados Unidos e Suíça).

Foram colhidos também depoimentos de 30 pessoas nos Ministérios Públicos de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Espírito Santo.

No começo da tarde desta sexta, a defesa de João de Deus questionou a falta de acesso às denúncias e à ordem de prisão preventiva da Justiça. No final da tarde, em nota, os advogados do médium disseram que “só agora” haviam tido acesso à decisão do juiz.

Mais cedo, um comunicado assinado pelos advogados Alberto Toron e Luisa Ferreira classificava as posições da Promotoria de Goiás e da Justiça de “assombrosa e inaceitável”.

Os advogados relatavam que estavam travando uma batalha na Justiça para terem acesso às denúncias de mulheres que alegaram à Promotoria terem sido vítimas de abuso sexual cometido por João de Deus nas instalações da casa de curas Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO).

“Na última segunda (10), estivemos no Ministério Público, em Goiânia, para obter cópias dos depoimentos prestados pelas vítimas e amplamente noticiados pela imprensa”, disse trecho de nota.

Segundo eles, a visita não teve êxito. “O pedido [para acessar o conteúdo das denúncias] foi negado sob o argumento da preservação de sigilo.”

“Agora veio o decreto de prisão preventiva e, estranhamente, nos disseram que o processo fora encaminhado de Abadiânia para Goiânia a fim de que o Ministério Público tomasse ciência da decisão”, escreveu a dupla de advogados do médium.

“É importante que o órgão acusatório [Promotoria] tome ciência, mas ninguém se preocupou em disponibilizar uma simples cópia da decisão para a defesa”, reclamaram.

Toron e Ferreira disseram ainda que é “inaceitável a utilização de pretextos e artifícios para se impedir o exercício do direito de defesa. Até mesmo o número do processo não se disponibiliza à defesa”.

ENTENDA AS DENÚNCIAS

Os relatos de 13 mulheres foram feitos inicialmente ao programa Conversa com Bial, da TV Globo, e ao jornal O Globo, no sábado (8). Desde então, outras denúncias surgiram.

Na segunda (10), Aline Saleh, 29 contou sua história à Folha"Quem tem de sentir vergonha é ele, e não eu". Ela diz que, em 2013, esteve na casa e que foi levada para um banheiro, posta de costas e que João de Deus colocou a mão dela em seu pênis.  

Em comum, a maioria das mulheres diz que recebeu um aviso de procurar o médium em seu escritório ao fim das sessões em que ele atende aos fiéis. 

No local, segundo as vítimas, João de Deus dizia que elas precisavam de uma “limpeza espiritual” antes de abusá-las sexualmente. Entre as vítimas estariam mulheres adultas, crianças e adolescentes.

O promotor Luciano Miranda Meireles afirmou que os depoimentos podem ser a úncia forma de comprovar as acusações, já que crimes como estupro não ocorrem à luz do dia nem têm testemunhas.

“Não há por que duvidarmos dos relatos das vítimas. É claro que não vamos encontrar vestígios do crime nem lesões”, disse. 

Especialistas citam o caso do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado a 181 anos de detenção pelo estupro de 48 pacientes, como exemplo de conduta em que os depoimentos de várias vítimas embasaram o desfecho judicial.

João de Deus se diz inocente e, nesta quarta (12), apareceu pela primeira vez na Casa Dom Inácio de Loyola após as denúncias virem à tona. "Agradeço a Deus por estar aqui. Ainda sou irmão de Deus. Quero cumprir a lei brasileira. Estou nas mãos da lei. João de Deus ainda está vivo", afirmou a fiéis.

Promotores entendem que podem ser configurados três crimes a partir dos relatos das mulheres: violação sexual mediante fraude, com pena de até seis anos; estupro, caracterizado por qualquer ato libidinoso, mediante violência ou grave ameaça, cuja pena é de até dez anos de prisão; e estupro de vulnerável, o mais grave, punido com até 15 anos de prisão.

Funcionários da Casa já diziam, antes mesmo da prisão, querer antecipar o recesso da casa que oferece cura espiritual. O número de atendimentos já caiu 70%, segundo a administração do espaço. 

Fundada em 1976, a instituição vive hoje uma das maiores crises de sua história. Donos de pousadas que ficam ao lado da casa contam que reservas estão sendo canceladas. Funcionários de restaurantes também dizem temer o fim dos negócios.

Colaborou CARLA BORGES​

 

Leia à íntegra comunicado da defesa de João de Deus

1. Na última segunda-feira, dia 10/12/2018, estivemos no MP estadual em Goiânia  para obter cópias dos depoimentos prestados pelas vitimas e amplamente noticiados pela imprensa. O pedido foi negado sob o argumento da preservação do sigilo. 

2. Agora veio o decreto de prisão preventiva e, estranhamente, nos disseram que o processo fora encaminhado de Abadiânia para Goiânia a fim de que o MP tomasse ciência da decisão. Sim, é importante que o órgão acusatório tome ciência, mas ninguém se preocupou em disponibilizar uma simples cópia da decisão para a defesa.

3. É inaceitável a utilização de pretextos e artifícios para se impedir o exercício do direito de defesa. Sobretudo no que diz com o direito básico de se aferir a legalidade da decisão mediante a impetração de habeas corpus. Até mesmo o número do processo não se disponibiliza à defesa.

4. Que a autoridade judiciária queira impor a preventiva, embora possamos discordar, é compreensível, mas negar acesso aos autos, chega a ser assombroso.

Alberto Zacharias Toron e Luisa Moraes Abreu Ferreira

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