Apontada por ministra como salvação, manga está longe de matar fome no país

Segundo especialistas, seriam necessárias 47 unidades para suprir necessidades de proteína diária

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São Paulo

Na última terça (9), a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina (DEM), afirmou que a fome não é um problema no país dada a grande quantidade de frutas nas ruas. “Nós não passamos muita fome porque temos manga nas nossas cidades”.

A frase caiu mal entre especialistas em alimentação que dizem que, além de se equivocar sobre as causas da fome no país, a ministra propõe uma dieta impossível.

Uma manga palmer de 300 g tem, em média, 216 calorias. Para atingir a quantidade diária recomendada pela Organização Mundial de Saúde, 2000 kcal, seriam necessárias nove mangas. Mas as calorias não são a única necessidade do ser humano. As proteínas exercem papel importante na construção e reparação dos músculos. 

Uma das espécies de manga - Fábio Braga/Folhapress

Nesse caso, para uma pessoa de 70 kg atingir a quantidade de proteínas recomendada —0,8g por quilo corporal— seriam necessárias 47 mangas diárias, 15 por refeição. Se optar pelo abacate, uma das frutas tropicais mais rica em proteínas, a dieta seria mais leve: 15 abacates e meio por dia.“Não é questão de fazer contas, mesmo com a quantidade adequada de calorias ou proteínas, seria uma dieta pobre em macro e micronutrientes.

É na diversidade de alimentos que se supre essa necessidade”, diz a professora Patricia Jaime, do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Para Neide Rigo, nutricionista e especialista em Plantas Alimentares Não-Convencionais (PANCs), ainda é preciso levar em conta a sazonalidade das frutas na cidade. “Me parece que a ministra da Agricultura não sabe, mas não temos manga o ano todo”. Ela ainda pondera nem toda fruta disponível pode ser consumida, a depender do nível de poluição e contaminação de onde a árvore está. “É um petisco, não é a base de uma alimentação”.

Outro ponto levantado é que a fome nas grandes cidades não tem relação apenas com a oferta de alimentos, mas o acesso a eles. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que um terço da produção de alimentos no mundo vai parar no lixo.

A ministra da Agricultura Tereza Cristina - Pedro Ladeira/Folhapress

“Temos uma situação no país, e no mundo, em que um a parcela considerável da população sofre com a insegurança alimentar, ao mesmo tempo em que se produz mais do que o suficiente para alimentar a todos. Desperdiçamos muito”, afirma a coordenadora do Mesa Brasil em São Paulo, Luciana Corvello.

O programa, financiado pelo Sesc faz a logística entre empresas de alimentos que querem doar seus excedentes e entidades de assistência social. São arrecadados cerca de 450 toneladas de alimento por mês, das quais 80% são frutas, legumes e verduras.

A professora Patricia Jaime ainda explica que o maior equívoco da fala da ministra é tentar explicar a causa da fome somente como dificuldade de acesso ao alimento. Segundo ela, um conjunto de políticas públicas que trouxe a melhora no poder aquisitivo, por meio da geração de emprego e transferência de renda, é o que explica a saída do Brasil do Mapa da Fome —conjunto de países que tem mais de 5% da população ingerindo menos calorias do que o recomendado— em 2014.

“Temos vivenciado nos últimos anos uma inflexão destas políticas públicas, como o congelamento de verbas para saúde e agricultura familiar, que impactarão diretamente na mortalidade e desnutrição infantil. Não se pode pensar no fim da fome como uma solução única de acesso ao alimento”.

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