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Governo Bolsonaro

Bolsonaro experimenta limites da caneta presidencial

Para senadores, presidente exorbitou de seu poder regulamentar com decretos de armas

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Nas últimas semanas, o governo Bolsonaro experimentou que mesmo a caneta presidencial tem os seus limites.

O Supremo Tribunal Federal, sem grandes cerimônias, suspendeu o decreto presidencial que eliminava uma série de conselhos de participação da sociedade na administração, sob o argumento de que muitas dessas instancia de participação haviam sido criadas por lei. 

Plenário do Senado Federal durante votação sobre os decretos de armas de Bolsonaro, nesta quinta (18)
Plenário do Senado Federal durante votação sobre os decretos de armas de Bolsonaro, nesta quinta (18) - Jefferson Rudy - 18.jun.19/Agência Senado

E não pode um decreto revogar uma lei. Nesta semana foi a vez do Senado Federal, com base no artigo 49, 5º, da Constituição Federal, sustar o decreto presidencial que flexibilizava o acesso da população civil a armas de fogo e munições, em claro descompasso com as regras estabelecidas pelo Estatuto do Desarmamento. Para os senadores, o presidente exorbitou de seu poder regulamentar. 

Governar nunca foi uma tarefa simples, especialmente em um sistema constitucional, que tem por função fundamental assegurar que os governantes não abusem dos direitos dos governados. 

Como já alertava Montesquieu, em seu clássico “O Espírito das Leis”, a história demonstra que “todo homem que tem poder é tentado a dele abusar; vai até onde encontra limites”. Daí a necessidade, para aqueles que almejam viver em liberdade, de dispor as instituições de forma a que “o poder freie o poder”. 

Ao distribuir funções entre cada um dos poderes e estabelecer prerrogativas para que cada um deles possa limitar o exercício do poder dos demais, a Constituição estrutura um autêntico sistema de freios e contrapesos voltado a conter o arbítrio e favorecer a autonomia dos indivíduos.

Onde os poderes de legislar, administrar e julgar estão reunidos numa mesma pessoa, não haverá espaço para liberdade. 

Neste sentido não existe enunciado mais enganoso em nossa Constituição do que seu artigo 2º, ao estabelecer que os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são “independentes e harmônicos entre si”. 

Na realidade, nossos poderes são essencialmente interdependentes e vivem em tensão, pois foram dispostos desta maneira. Daí a estranheza causada pela recente proposta de se realizar um pacto entre os poderes para a promoção das reformas pretendidas pelo governo.

O desenho constitucional estabelecido em 1988 criou um sistema altamente consensual, pelo qual, para que uma medida possa se impor sobre a vida dos cidadãos, deve contar com o consenso de diversas esferas de poder. 

Não basta que o presidente queira tomar uma medida ou realizar uma promessa de campanha. É preciso verificar se o presidente tem competência para levar a cabo suas ambições. Caso contrário, terá de contar com a colaboração dos demais poderes.

Mais do que isso, é necessário que essa medida ou proposta sejam compatíveis com a Constituição.

Nesses primeiros meses de governo, nosso velho e combalido presidencialismo de coalizão, objeto de tantas críticas e maledicências, tem se demonstrado surpreendentemente eficiente ao colocar certos limites ao voluntarismo e aos arroubos governamentais.   

Como o presidente Donald Trump nos Estados Unidos, Bolsonaro terá que se acostumar com a ideia de que não dispõe da maioria do parlamento e que, por maiores que sejam os seus poderes, o presidente não pode dispor do direito como se fosse algo seu. 

E mesmo que dispusesse de maioria, não poderia aprovar tudo aquilo que deseja, pois há limites materiais impostos pela Constituição, que não podem ser transpostos, mesmo pelo mais popular dos líderes.

Oscar Vilhena Vieira é professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

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