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Saneamento no Brasil

Novo ciclo de investimentos em saneamento pode começar no ano que vem

Investidores sondam mercado à espera da conclusão do marco legal do setor

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Funcionário de capacete observa tanque de tratamento de esgoto

Estação de tratamento do esgoto do município de Vitória da Conquista, Bahia, onde 96,7% das residências da zona urbana estão cobertas pela rede Raul Spinassé/Folhapress

São Paulo

Ninguém fez uma pesquisa oficial, mas a percepção é unânime. Nas consultorias e bancas especializadas em direito empresarial, algo como dois em cada três investidores perguntam sobre saneamento quando sondam o potencial dos negócios com infraestrutura no Brasil.

Para os políticos, tamanho interesse talvez seja um mistério. Há uma máxima antiga entre eles para justificar a gigantesca carência na oferta de saneamento que governos têm obrigação de entregar: obra enterrada não dá voto.

Nos municípios menores, falta dinheiro e gestão na área; nos grandes, não raro, falta interesse de priorizar a agenda. Uma pesquisa do Trata Brasil com os cem maiores municípios do país identificou que 34% não montaram nem plano de saneamento, apesar de terem recursos e gente qualificada.

O setor privado, porém, tem feito a conta e vê que consegue extrair bons resultados das obras enterradas. 
Enquanto economias importantes no primeiro mundo operam com juro negativo e a Selic, taxa básica de juro do Brasil, segue em queda firme para 4,5% ao ano, projetos de saneamento abertos do zero oferecem taxas de retorno de dois dígitos. 

Na média, a chamada TIR (taxa interna de retorno, que indica o ganho do projeto) oscila entre 12% e 16%. Mas a taxa do segredo —o retorno do acionista, que considera muitas variáveis, inclusive o tipo de financiamento— pode ir a 20% caso todo o negócio seja bem estruturado.

Fundos de investimento estão de olho na receita garantida de estatais que podem ser vendidas. As pessoas nunca deixam de beber água, lavar louça e ir ao banheiro. E a maioria paga a conta todo mês. 

Segundo o Plano Nacional de Saneamento, o Brasil precisa de algo em torno de R$ 20 bilhões por ano até 2033 para universalizar a oferta de serviços. Diante do cenário, entusiastas da privatização acreditam que a venda das companhias públicas de saneamento é a saída certeira. 

Mas, como tudo na vida, não é tão simples assim. 

O especialista em infraestrutura Luís Felipe Valerim, ex-Casa Civil para projetos na área, tem uma analogia popular para explicar a encruzilhada. Ele costuma dizer que, com tantos bilhões tendo que entrar em campo, não há espaço no saneamento brasileiro para fazer Fla-Flu —briga entre privado e público. 

A solução prática para o saneamento avançar de fato seria conseguir formar uma boa seleção com os dois lados. O desenho do setor no Brasil meio obriga essa composição.

 
 

Após quedas de braços com estados e até julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), não há mais discussão de que saneamento é serviço sob a tutela municipal. Isso quer dizer que tudo nesses serviços ou sua eventual transferência a privados —modelo de concessão, preços, prazos, regras de reajustes de tarifas e de contratos—​ precisa passar pelo crivo da cabeça e da caneta de 5.570 prefeitos.

 

A fragmentação afeta inclusive a regulação. Segundo levantamento do setor feito pela consultoria alemã Roland Berger, há 49 agências reguladoras de saneamento no país. Cada uma tem suas regras, e boa parte monitora uma operadora dos serviços. 

As maiores empresas são companhias estaduais. Elas assumiram os serviços em centenas de municípios. Garantem força política aos governadores e repasses garantidos ao caixa estadual. 

Sabesp, do governo de São Paulo, atende uma população perto de 28 milhões de pessoas; Copasa, do governo mineiro, uns 15 milhões; Cedae, do governo do Rio de Janeiro, mais de 13 milhões.

A presença privada, por sua vez, é tímida. A Roland Berger apurou que apenas 6% dos municípios (72% deles com menos de 50 mil habitantes) são atendidos por operadores privados. A maior delas, a BRK Ambiental, tem menos 10 milhões de clientes. Para efeito de comparação, 94% da população urbana no Chile é atendida por privados.

O apito para iniciar a nova rodada de investimentos com todos esses jogadores seria a aprovação do novo marco regulatório que tramita no Congresso. Dois pontos importantes do projeto já estão meio que acertados. 

O primeiro é a definição de normas de referência que, pela proposta, serão monitoradas pela ANA (Agência Nacional de Águas). A prefeitura não é obrigada a seguir mas, se aderir, recebe apoio do governo federal, incluindo acesso mais organizado ao crédito. 

Com isso, abre-se espaço para a ANA atuar como um orientador nacional de uma regulação padronizada. 
O projeto também traz critérios para que os municípios se juntem em blocos para receber os serviços. Os integrantes não precisam fazer fronteira. Esse formato busca organizar a demanda e mitigar a pulverização.

O desafio é finalizar o cardápio de opções de contratos para que entes públicos e privados possam fazer negócio seguros. Isso significar criar critérios para contratos de concessão, PPPs (parcerias públicos privadas), para que estatais possam fazer subconcessões a privados e para a transição de contratos de programa (aqueles entre prefeituras e empresas dos estados).

Desfeito esse nó, o projeto tem chances de concluir a tramitação neste ano. Se isso ocorrer, o tão esperado novo ciclo de investimentos no setor pode começar em 2020. 

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