Sem atingir meta, governo reforça pressão por novo marco de saneamento

Investimento no setor tem caído nos últimos anos, o que atrasa avanços

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Vista de riacho repleto de lixo com casebres à margem

Comunidade Chácara Três Meninas, onde saneamento não chega, em São Paulo Zanone Fraissat/Folhapress

Brasília

Diante da previsão de atraso de 30 anos para universalizar o acesso a água e esgoto no Brasil, o governo tem reforçado a pressão junto ao Congresso por aumento na participação do setor privado no saneamento básico.

A ação ocorre em meio à queda, nos últimos anos, do volume de investimentos no setor. “Precisamos de R$ 600 bilhões para universalizar o saneamento. De onde virá esse recurso? Do governo federal não virá”, disse em audiência a secretária especial do Programa de Parceria de Investimentos, Martha Seillier.

Segundo ela, a ideia é incluir o saneamento na carteira de investimentos do PPI a partir da aprovação de um novo marco legal. O programa é subordinado à Casa Civil.

“A discussão da maior participação privada no saneamento é bastante pragmática. É a resposta à pergunta: quero ou não universalizar o saneamento básico no Brasil?”, disse. “Se a resposta é não, e se mantenho apenas com investimentos públicos, vamos assistir à curva desses investimentos desmoronarem nos próximos anos.”

Inicialmente, o Plano Nacional de Saneamento Básico previa universalizar o acesso ao saneamento até 2033. Para que as metas fossem alcançadas, o plano estimava investimentos de R$ 597 bilhões. Mas o valor aplicado vem registrando queda desde 2013, conforme a Folha mostrou.

Responsável pela gestão das políticas de saneamento no país em cidades acima de 50 mil habitantes, o Ministério de Desenvolvimento Regional já admite que a meta não será atingida dentro do prazo. A pasta diz ter 1.600 empreendimentos em andamento neste ano, no valor de R$ 63 bilhões. “Mesmo com esse volume de investimentos, as metas não serão alcançadas no prazo proposto.”

Questionado, o ministério atribui a situação aos ajustes fiscais nos últimos anos e também a tendências de mercado.

Para o ministério, “a capacidade de investimento das companhias encontra-se reduzida, o que justifica a necessidade de abertura do setor para obtenção de investimentos das empresas privadas.”

Em agosto, o governo encaminhou um projeto ao Congresso com sugestões de mudanças na lei atual. O texto foi repassado à comissão especial que já analisava o tema.

A proposta é que a Agência Nacional de Águas, órgão que hoje regula o uso de recursos hídricos da União e é vinculado ao ministério, passe a editar normas de referência para saneamento —função hoje a cargo de estados e municípios, por meio de 63 agências reguladoras.

 

A  presidente da agência, Christianne Dias, diz ser favorável à medida desde que haja reforço na estrutura do órgão. “Precisamos trazer mais servidores, porque a competência muda bastante”, afirmou.

 

Ao mesmo tempo que defende mudanças na lei atual de saneamento, o governo emite sinais trocados em relação à prioridade dada ao setor.

Um exemplo é a situação da secretaria nacional criada para a área, sem titular há três meses. O último secretário deixou o cargo no início de julho. Desde então, a pasta foi assumida por uma diretora da área de forma interina.

A demora na confirmação do cargo ou na nomeação de um novo titular tem chamado a atenção no setor. 
Para Roberval Tavares, da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), o governo tem analisado a questão apenas de um viés econômico. “Saneamento virou item financeiro para cobrir deficit fiscal do país. Pouco importa as criancinhas pisando no esgoto. É como se isso fosse uma falácia”, afirma.

Em nota, o MDR nega prejuízos ao trabalho da pasta. Afirma ainda que, para a definição de um novo titular, “está considerando justamente a complexidade do momento, com a proposta de novo marco regulatório em tramitação no Congresso e a necessidade de diálogo com as companhias públicas e o setor privado”.


GUERRA DE VERSÕES

Projetos no Congresso para mudar regras do saneamento no Brasil

Como é hoje

Lei atual, de 2007, prevê os “contratos de programa”, assinados entre municípios e companhias estaduais de água e esgoto. Os primeiros podem fazer contratos com empresas privadas, mas o setor vê entraves para ampliar a participação destas

O que já se propôs

Desde 2018, o setor já foi alvo de duas medidas provisórias (MP 844/2018 e 868/2018) que acabaram por perder a validade. Propostas na gestão Temer (MDB), previam o fim dos contratos de programa e a obrigação de abertura do mercado por meio de licitação

Projetos no Congresso

- O projeto aprovado no Senado permite renovação dos contratos com companhias estaduais por até 30 anos

- O projeto do deputado Fernando Monteiro (PP-PE) permite novos contratos com estatais de saneamento

- O projeto do governo determina fim dos contratos de programa e obrigação de abertura do mercado por meio de licitação

- O projeto na comissão da Câmara, cujo relator é o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), prevê abertura ao setor privado e permite às estatais com bons resultados renovar contratos por até cinco anos, limitado a 2033. Estatais que não cumprirem metas poderão ter contratos cancelados.

Prazos

A comissão deve votar relatório em outubro, e o texto segue para o plenário, onde pode sofrer modificações. Depois, volta ao Senado, para ter aval das duas Casas

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