Avalanche de eventos infantis engole pais paulistanos no fim do ano

Da troca anual de toucas de natação à espetáculos de balé em teatros, escolas e cursos multiplicam cerimônias, eventos e gastos

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São Paulo

Para onde se olha há um celular erguido, câmera ativada. Dezenas de pais e familiares buscam uma brecha no muro de pessoas que tentam filmar e fotografar suas crianças em mais uma das apresentações escolares de fim de ano. A cena é recorrente em escolas paulistanas.

“Tivemos cantata de Natal, dia de integração, mostra cultural e esportiva e lanche comunitário”, conta a relações públicas Erika Danesi, 41, mãe de Lorena, 7, aluna do Colégio Notre Dame, da zona oeste de São Paulo.

Lorena se diverte e faz contagem regressiva para cada evento e apresentação de atividades extracurriculares são oferecidas no contraturno. 

As apresentações de dança, circo e ginástica artística aconteceram em novembro. Foram pelo menos três figurinos que custaram, ao todo, R$ 150 –fora o gasto nas outras atividades listadas pela mãe. 

Mãe com vestido florido está sentada com os pés da filha no colo enquanto calça uma sandália nela. A menina usa laço nos cabelos e tem longos cabelos pretos
Erika Danesi e a filha Lorena, 7, que se diverte com eventos de fim de ano - Karime Xavier / Folhapress

Segundo o calendário oficial de eventos do colégio, o Notre Dame realizou, em um mês e meio, oito atividades, entre apresentações, passagens de fase de esportes (como judô) e mostras cultural e esportiva. 

Danesi diz que a quantidade de eventos não incomoda nem atrapalha a rotina. “As crianças fazem esse trabalho por meses e ficam ansiosas para mostrar à família o que aprenderam. É importante a família participar. E no caso da confraternização, o Notre Day, as crianças amam esse dia e esperam por ele”, diz. 

A coordenadora de eventos culturais e esportivos do Notre Dame, Maria Izabel Pamplona Calleja, 45, diz que é essencial que o colégio ofereça cursos no contraturno, porque isso traz segurança e praticidade aos pais que não têm disponibilidade para buscar os filhos no meio do dia. 

Os eventos, diz ela, são parte de um esforço para envolver a família nas atividades.

“Nos preocupamos com a cultura da infância, a elaboração das atividades por faixa etária, e uma agenda que não sobrecarregue alunos e familiares. Organizamos o calendário para que fiquem bem distribuídas pelo ano e para que não pesem no bolso”, diz.

Os ritos de passagem não são, entretanto, exclusividade das escolas. Apesar de haver a busca por centralizar atividades em um só local, há também escolas de natação, de lutas, de música e de dança que promovem eventos. Eles funcionam como vitrine do produto que oferecem, além de atender ao desejo dos pais de ver a realização dos filhos.

Há de tudo, da troca anual de toucas de natação a espetáculos de balé em teatros com ingressos que chegam aos R$ 50 por pessoa.

A advogada Mariana Guilardi, 41, mãe dos gêmeos Marcos e Felipe, 7, diz acreditar que os eventos são positivos para que as crianças tenham rituais de encerramento. Os irmãos estudam na Escola Vera Cruz, também na zona oeste.

“Acho que é bom para eles enquanto pequenos, porque há essa questão da passagem do tempo, começo e fim de ano, o que não é tão palpável [quando se é criança]. Esse ritual é importante para que eles tenham a sensação de evolução”, aponta.

Apesar disso, Guilardi conta que os gêmeos reagem de forma diferente ao inchaço de eventos. Marcos fica ansioso “na medida certa”, faz contagem regressiva para as apresentações e demonstra felicidade. Já Felipe tem dificuldade para dormir, passa mal e às vezes vomita. 

A advogada tenta ajudar o filho a lidar com os sentimentos. “Eu converso bastante com ele, explico como vai ser, falo dos horários, que vou buscá-lo e que estarei lá. A ansiedade já melhorou muito. Ele também faz acompanhamento psicológico para lidar com os sentimentos exacerbados.”

De acordo com as orientações da psicanalista Isabel da Silva Kahn Marin, supervisora da área de criança, adolescência e família do curso de psicologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, o melhor caminho para lidar com a ansiedade das crianças é a conversa e a atenção a sinais como dificuldade para dormir, irritabilidade e falar demais sobre os eventos vindouros, por exemplo. 

“Quando a criança passa mal, antes ou depois do evento, isso nos dá a dimensão do quanto ela se conteve. Os adultos têm que perceber que a criança está dando sinais. Ensaios exaustivos, onde tudo precisa dar certo, podem levar a própria criança a se pressionar”, diz a psicanalista.

Erika Danesi, 41 e a filha Lorena Danesi, 7, que gostam da maratona de eventos de final de ano - Karime Xavier/Folhapress

Marin aponta ainda que os pais precisam fazer uma autoavaliação para entender as expectativas envolvidas. “Essas expectativas ficam implícitas, mas aparecem quando a família pergunta todos os dias como estão os ensaios, se estão legais, como vai ser.”

A psicanalista sugere ainda que as escolas também reflitam sobre a necessidade de realizarem tantos eventos. Isso porque a mobilização da comunidade para um evento ou apresentação pode criar expectativas de desempenho nos alunos e, apesar do caráter festivo, a sensação de estarem sendo avaliados.

“Esse conjunto de todos terem que mostrar serviço de um lado e as famílias se sentirem valorizadas pelo desempenho dos filhos do outro é uma bomba de expectativa. Dá para entender por que as crianças ficam estressadas”, explica.

Quanto a crianças que desistem de participar em cima da hora, Marin diz que é preciso acolhê-las de forma que sintam que não há problema, mas ressalta que é preciso buscar entender o que levou à desistência. 

“Temos que nos perguntar se não estamos exigindo muito dos filhos. Tem crianças que gostam das atividades e querem fazer bonito, outras não tem tanto interesse. Se a criança estiver aflita com o fim do ano, mostre que está tentando entendê-la e procure conversar com a escola, para acompanhar como isso está sendo trabalhado”, afirma.

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