Policiais de SP usam viatura oficial para fazer segurança privada do Villa Country

Prática é considerada irregular e pode provocar punições; Segurança Pública diz que investigará caso

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São Paulo

A viatura do grupo de operações especiais da Polícia Civil de São Paulo estaciona na avenida Francisco Matarazzo, na Água Branca, zona oeste da capital, na altura do número 774. Curiosos param para acompanhar a movimentação, atraídos pelo luminoso ligado, mas, como o tempo passa e nada acontece, desistem e voltam a cuidar da própria vida. O carro policial continua parado por lá, noite adentro.

Aquilo que poderia parecer, em um primeiro momento, uma ação de combate ao crime organizado ou estouro de cativeiro de algum sequestro revela-se, porém, uma prática comum —e possivelmente irregular— naquele endereço: policiais civis supostamente prestando segurança privada, com veículos oficiais, à casa de shows Villa Country.

viaturas no Villa Country
Viatura de polícia parada em frente à casa de shows Villa Country, na zona oeste de São Paulo - Rogério Pagnan/Folhapress

A cena descrita acima é do último dia 12 de dezembro, mas ocorreu também ao menos nos dias 30 de novembro, 1º e 8 de dezembro, conforme registros fotográficos feitos pela reportagem. Todos os veículos flagrados pertenciam ao Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas), grupo recém-criado pela gestão Doria, e estavam estacionados sobre a calçada.

Segundo comerciantes da região, taxistas do entorno e funcionários do Villa Country ouvidos pela reportagem, a presença de policiais naquele local é antiga e rotineira. Sempre com viaturas, eles permanecem estacionados do lado externo, geralmente de quinta a domingo, das 22h às 5h –no horário de funcionamento tradicional.

Uma funcionária da casa disse à Folha que a presença de policiais civis do lado externo ajuda a inibir brigas de pessoas embriagadas no encerramento dos shows. Ela disse ainda que a parceria entre Villa Country e os policiais civis não deveria ser um jabá, “como o povo de padaria faz”, mas algo muito maior.

Comerciantes e taxistas afirmam que a presença de policiais civis no Villa Country se deve à suposta ligação dos donos da casa com delegados de polícia, que participariam inclusive da organização da segurança, mas não citaram nenhum nome específico.

Integrantes do Ministério Público de São Paulo ouvidos pela reportagem afirmaram que, se for confirmada a segurança privada por agentes públicos, com equipamentos oficiais do Estado, os responsáveis podem ser processados por improbidade administrativa e responderem também a processo administrativo disciplinar, que pode levar até a demissão.

Diz, também, se houver omissão em relação a eventuais crimes cometidos na casa, também poderão responder por isso. Em agosto, uma frequentadora alegou ter sido agredida dentro da casa. O Procon-SP acionou os responsáveis para pedir explicações.

O advogado José Jerônimo Nogueira de Lima, especialista em direito administrativo, disse que a prática pode, de fato, configurar uma irregularidade. “Se você está destinando um carro [de polícia] para um empresário, obviamente você está tirando de um lugar que precisa mais. Você mexe com todo um esquema de interesse público, de estratégia que eventualmente a polícia tenha, para beneficiar um particular que pagou por aquilo”, disse ele.

“Você vai excluir da segurança pública uma série de pessoas vulneráveis que não têm condições de pagar por ela, se você transformar isso em serviço. Isso é uma política pública, que você não pode vender, terceirizar, privatizar, porque você vai excluir uma massa que não pode pagar por isso”, disse.

O advogado afirma, ainda, que até mesmo os sócios da casa noturna podem ser responsabilizados em ação cível pública e obrigados a ressarcirem os cofres públicos.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública informou que o Dope, da Polícia Civil, “apura o ocorrido para tomar as providências cabíveis”.

“Eventuais denúncias sobre irregularidades ou condutas inapropriadas envolvendo agentes de segurança do estado podem ser registradas nas respectivas corregedorias, a fim de que sejam investigadas e os envolvidos, se necessário, devidamente responsabilizados.”

A Folha encaminhou à Segurança Pública os números das placas das viaturas vistas pela reportagem em frente ao Villa Country e os dias específicos que isso ocorreu, para que fosse informada a situação dos veículos, se estavam em missão oficial ou clandestina. A resposta não foi, porém, fornecida. Também não foi respondido se a casa de shows tem, eventualmente, algum convênio com a Segurança Pública.

Para membros da Promotoria, um convênio assim seria ilegal.

A reportagem também encaminhou à assessoria do Dope imagens da viatura acima, incluindo um vídeo feito, para confirmar se tratar de veículo oficial ou, eventual dublê criminoso. A informação é de que não há indícios, por ora, de que seja uma viatura falsa.

Integrantes da Polícia Civil ouvidos pela reportagem afirmaram que a cúpula da instituição tem um projeto em andamento para colocar rastreadores em todas as viaturas, justamente para conseguir evitar o uso indevido de veículos. Atualmente, segundo eles, os chefes de departamento têm dificuldades para conseguir vigiar toda a frota e coibir de maneira eficaz eventuais desvios.

Por essa versão, integrantes da chefia do departamento não teriam conhecimento do que vinha ocorrendo no Villa Country.

Segundo a Folha apurou, o governo paulista deve receber uma doação de equipamentos com GPS, prontos para serem instalados nas viaturas da Polícia Civil. Os veículos da Polícia Militar já possuem o serviço.

A direção do Villa Country foi procurada para comentar o assunto. A assessoria de imprensa da casa foi contatada na última quarta-feira (18), quando o teor da matéria for informado.

A assessoria alegou que só poderia responder aos questionamentos no dia seguinte, nesta quinta (19). Ao final do prazo acordado, porém, ela foi procurada novamente, mas não quis se manifestar.

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