Com temas que vão de Belchior à espiritualidade, diversidade é marca da folia em BH

Festa de rua cresce na capital mineira; 15 blocos tiveram carros de som impedidos de sair por suposta irregularidade

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Belo Horizonte

Enquanto o Filhos de Gandhy, afoxé criado por estivadores na Bahia há 71 anos, estiver fazendo seu Carnaval em Salvador na segunda-feira (24), em Belo Horizonte, a 1.349 km, integrantes do bloco Baianas Ozadas estarão na igreja São José, no centro da cidade, lavando as escadarias.

Representantes de religiões de matriz africana e pessoas convidadas participam do ritual que marca a saída do bloco. O desfile, pouco antes, é aberto pela ala infantil. O homenageado deste ano é um dos responsáveis pela retomada do grupo histórico de Salvador, o cantor e compositor Gilberto Gil.

A marca registrada do grupo em BH são foliões com turbantes, balangandãs e saias, no ritmo de músicas da Bahia. O idealizador é um baiano de Ilhéus, cantor do grupo, Geo Cardoso.

“Eu estava com a passagem comprada para passar o Carnaval em Salvador, quando cancelei e veio a ideia de reunir uma turma de baianos que estavam aqui. Era uma ala, não era um bloco, que invadia outros blocos”, disse.

O Baianas é hoje um dos três maiores blocos de Belo Horizonte. No ano passado, foi seguido por cerca de 300 mil pessoas. É um dos grupos que surgiu com a retomada da festa de rua na capital mineira.

Neste ano, a Belotur estima que cerca de 500 blocos saiam em várias regiões da cidade. Uma das marcas do ressurgimento do Carnaval em BH, na última década, é a descentralização da folia.

“É um Carnaval novo, com jeito muito particular, jeito mineiro. Um carnaval muito família, você vê, como é o caso do Baianas, famílias inteiras participando dos blocos —filho na ala infantil, outra na ala de dança. Tem um lado bem espontâneo”, diz Geo, que também é presidente da Liga Belorizontina de Blocos Carnavalescos.

Há blocos para todos os públicos, com músicas de Belchior ou Wando (Volta, Belchior e Beiço de Wando), em homenagem à cultura geek (Unidos da Estrela da Morte), à diversidade (Garotas Solteiras e Então, Brilha), à espiritualidade (Pena do Pavão de Krishna) ou ao Carnaval de Nova Orleans (EUA), que aparecia na série da HBO Treme (Magnólia).

 
 

Às vésperas dos desfiles, 15 blocos tiveram seus carros de som impedidos de sair por suposta irregularidade com o Detran (Departamento Estadual de Trânsito). O governador Romeu Zema (Novo) se manifestou pelas redes sociais, dizendo que não quer inviabilizar o Carnaval.

“Mas é preciso garantir a segurança da população. Poucos carros de som e trios estão irregulares. Dos quase 530 blocos, 15 apresentaram irregularidades. Não se trata de fato político, mas a preservação das vidas dos mineiros e turistas”, disse.

O sindicato dos professores do estado (Sind-UTE) e a CUT emprestaram carros aos blocos prejudicados pela decisão. Procurada, a Belotur não se manifestou.

Por meio de nota, o advogado e fundador do Bloco Me Beija Que Eu Sou Pagodeiro, Matheus Brant, contestou a publicação de Zema falando que foi encontrado tanque de combustível próximo a um gerador em um dos carros.

Segundo ele, o galão de combustível foi colocado ali após o desfile, para recarregar o gerador e não houve tempo de retirá-lo, porque o carro foi apreendido. Ele também contesta a afirmação de Zema de que a documentação poderia ser regularizada junto ao Detran, dizendo que Minas Gerais não tem empresas que fornecem o documento exigido (CAT - Certificado de Adequação à Legislação de Trânsito).

Brant e outros advogados que representam blocos que foram atingidos se manifestaram em outra nota conjunta, afirmando que nem o governo nem a Justiça levaram em consideração o dano causado ao Carnaval e ao turismo.

"Desconsiderou-se o árduo trabalho realizados pelos blocos durante todo o ano e ainda a falha da administração em orientá-los de forma correta", diz o texto.

Para Geo Cardoso, os problemas que aparecem agora na organização do Carnaval são resultado de uma falta de regulação, seguindo o boom dos últimos anos.

Apesar de alguns blocos terem saído na semana antes da data oficial do Carnaval, a abertura do feriado em BH é marcada pelo Kandandu, evento organizado pela prefeitura com os blocos afro de Minas Gerais (Abafro), que expressa a ancestralidade africana.

O projeto foi reconhecido em 2019 como uma das maiores ações de promoção de igualdade racial no país, pelo Ministério de Direitos Humanos.

Neste ano, dez blocos participam dos dois dias. Entre eles, o Tambolelê, criado há 20 anos, homenageado na festa deste ano, tendo músicas tocadas por todos os outros blocos afro a se apresentar.

“Carnaval no Brasil é originário da senzala, não da casa grande”, diz Nayara Garófalo, co-fundadora do bloco Angola Janga, que ajudou a escrever o projeto.

“[O Kandandu] é importante no ponto de vista tradicional e cultural, mas, além disso, é uma ação de política de igualdade social e racial na cidade, quando se colocam esses blocos afro que fazem trabalho o ano inteiro em seus territórios, que geralmente são periféricos, com oficinas”.  

SEM OFENSAS

Em respeito à cultura afro, reverenciada no Carnaval da cidade, o Conselho Municipal de Igualdade Racial (Compir) divulgou no Diário Oficial de Belo Horizonte orientações para que foliões reflitam sobre fantasias que podem ser ofensivas a minorias.

A nota cita o uso de blackface (pintar o rosto para parecer negro) ou homens vestidos de mulher, que ridicularizam pessoas trans (na nota, chamados de trans-fakes), entre outros.

“Democracia racial no Brasil não existe. Nós podemos, de agora para frente, construir um país mais plural, mais diverso, mas até agora isso não existia. Acho maravilhoso que, no Carnaval, a gente possa pensar sobre isso”, diz Andreia Roseno, presidente de conselho.


ALGUNS BLOCOS DE BH PARA SEGUIR

 
Sábado (22)
10h - Tchanzinho Zona Norte (São José), bloco de axé criado em 2013
12 h - Volta Belchior (Esplanada), com músicas em homenagem ao músico e compositor cearense
13h - Unidos da Estrela da Morte (Floresta), com referências geek, músicas de filmes, desenhos e seriados
20h - Carnaval no Mirante com Wesley Safadão (Olhos D’Água - ingressos a partir de R$ 90)

Domingo (23)
8h - Chama o Síndico (Centro), em uma homenagem a Tim Maia e Jorge Ben Jor, com samba, funk, afoxé, xote, soul, carimbó e reggae
9h - Beiço do Wando (Funcionários), em homenagem ao cantor homônimo, traz 350 pessoas na bateria
9h30 - Pena do Pavão de Krishna (União), um dos blocos mais tradicionais, reúne espiritualidade com MPB e outros estilos musicais
11h - Pacato Cidadão (Sion), com músicas de bandas mineiras como Jota Quest, Pato Fu, Skank
14h30 - Angola Janga (Centro), bloco afro dedicado ao empoderamento negro, nas práticas e repertórios
15h - 90 Retro (Santa Lúcia), com axé e pagode dos anos 1990
20h - Carnaval no Mirante com Banda Eva  (ingressos a partir de R$ 90)

Segunda-feira (24)
11h - Havayanas Usadas (Santa Efigênia), repertório formado por hits do axé music dos anos 1980 e 1990
11h - Baianas Ozadas (Centro), um dos blocos mais conhecidos, onde foliões vestem saias, turbantes e balangandãs
14h - Garotas Solteiras (Funcionários), que representa a comunidade feminina e LGBTQ+
20h - Carnaval no Mirante com Diplo  (ingressos a partir de R$ 90)

Terça-feira (25)
8h - Truck do Desejo (Barro Preto), bloco de Carnaval com a proposta de dar visibilidade para mulheres lésbicas e bissexuais
11h30 - O Rei e a Jovem Guarda (Savassi), em homenagem a Roberto Carlos e ao grupo, toca MPB e samba
12h30 - Monobloco (Pampulha), um dos blocos mais conhecidos do Rio de Janeiro
13h - Magnólia (Caiçaras), inspirado no Carnaval de Nova Orleans, toca jazz
20h - Carnaval no Mirante com Ferrugem  (ingressos a partir de R$ 90)

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