Descrição de chapéu Alalaô

No Rio, mulheres fogem de fantasias micro e abraçam tradição dos bate-bolas

Tradição de Carnaval do subúrbio carioca tem atraído adeptas interessadas em se divertir 'sem pose'

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Rio de Janeiro

Saem os bodies, as sainhas e os vestidos. Entram as máscaras, as sombrinhas e as bexigas. As mulheres agora também fazem parte da rotina carnavalesca dos tradicionais bate-bolas nos subúrbios do Rio de Janeiro.

Nos últimos anos, muitas delas se juntaram aos grupos historicamente masculinos que saem às ruas das zonas norte e oeste vestidos de palhaços, batendo suas bolas no chão.

Conhecidos como clóvis, adaptação de “clown” (palhaço em inglês,) eles surgiram no começo do século 20 na então capital do país, inicialmente com bexigas de porco e boi. Sua origem não é certa, mas tem influência dos portugueses e da Folia de Reis.

No grupo Bem Feito, por exemplo, que desfila em Campo Grande (a 1h30 do centro carioca, na zona oeste), já faz algum tempo que as mulheres participam dos desfiles vestindo fantasias femininas. Recentemente, porém, grande parte se rendeu ao traje completo dos bate-bolas.

“Não me sentia confortável com as roupas das meninas por causa do meu corpo. No bate-bola você tem mais liberdade. Não precisa ficar fazendo posezinha, murchando barriga, fazendo aquelas carinhas. É mais libertador”, diz Liliane Souza, 36, que desfila há três anos.

Por alguns dias, elas se livram das imposições de ser mulher. O anonimato da máscara permite que elas pulem, dancem, rolem no chão e até virem cambalhota sem que se saiba quem está por trás dos (muitos) panos.

“Quem é envergonhado perde a vergonha, e quem já não tem vergonha fica pior ainda”, diz Andra Maturana, 23. “Você faz o que quer. Lá no meio não sei nem quem é meu marido, como é que ele vai saber quem eu sou?”, brinca Dayana da Silva, 34, em seu primeiro Carnaval com fantasia de bate-bola.

A maioria delas chegou ali por causa dos namorados que já desfilavam, deixando de lado o medo frequentemente associado a essa cultura. “Antes eu não gostava muito porque o povo falava que era violento, tinha aquele preconceito. Mas depois que fui na reunião passei a amar”, conta Liliane.

 

A fama da violência vem da rivalidade entre alguns grupos que, não raro, termina em briga e até morte. No ano passado, um tiroteio deixou ao menos um menino de 14 anos morto e oito pessoas feridas em Marechal Hermes, na zona norte.

Com medo, a mãe de Andra a impedia de desfilar quando mais nova. Apesar de seu fascínio pelas cores e fantasias dos bate-bolas desde a infância, ela só saiu às ruas como um deles quando passou a namorar o “cabeça”, ou líder, do Bem Feito.

O receio era de que a menina usasse a fantasia de alguém que tivesse arrumado confusão no ano anterior. “Com a máscara, você não sabe quem está ali. Por exemplo, a pessoa fez um bate-bola rosa e branco com o bolero da Hello Kitty. Aí arrumou confusão com alguém e no ano seguinte eu comprei a fantasia. A confusão dela pode cair em cima de mim”, explica.

Na maioria das turmas, porém, a briga acontece no campo da arte: quem tem a fantasia mais bem trabalhada e o tema mais criativo. Desde 2012, o bate-bola é considerado patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro.

Toda terça de Carnaval, a prefeitura carioca promove uma competição no centro da cidade para eleger as melhores produções. As categorias oficiais são “sombrinha”, mais luxuoso, e “bexiga e bandeira”, voltado ao tamanho e barulho da turma. Nas ruas, há outras vertentes.

A confecção dura quase o ano todo e é feita pelo próprio grupo. No caso do Bem Feito, começou por volta de abril, com encontros semanais aos domingos. O trabalho não é pouco, e o preço também não é baixo —cada fantasia de adulto custa R$ 2.000.

Neste ano o tema foi o piloto Ayrton Senna, e no ano que vem será o cineasta Spike Lee. A festa começa com uma queima de fogos tão barulhenta quanto as bexigas. “Aí o mundo acaba”, define Fabiano Mascaras, o “cabeça” do grupo.

A cada dia, em dois ônibus alugados, eles vão a bairros diferentes para encontrar outras turmas e brincar o Carnaval. São cerca de 90 componentes no Bem Feito, sendo 20 mulheres e 17 crianças, incluindo um bebê de sete meses, com fantasia própria.

Apesar do grande número de integrantes, o grupo diz que é muito unido. “Não me vejo saindo da turma”, diz Liliane. “Não tem como explicar, só quem gosta mesmo que sabe como que é. Você faz amigos, conhece muita gente, é realmente uma família.”

Colaboraram Tuane Fernandes e Vitor Shimomura

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